Sobre a abertura dos Jogos Olímpicos de Paris

As Olimpíadas modernas surgiram em 1896 inspiradas nos Antigos Jogos Olímpicos, mas sob uma perspectiva moderna e creio que isso não seja novidade pra ninguém. Toda a história sobre o surgimento das Olimpíadas modernas, o barão de Coubertin e a fundação do comitê olímpico internacional, os primeiros jogos e como tudo se consolidou tem suas peculiaridades e curiosidades à parte que serão muito mais interessantes para os fãs de esporte e que não cabem aqui. O ponto é que, gostando ou não, assim como eu, o leitor cresceu escutando falar nas Olimpíadas de tempos em tempos, em maior ou menor grau, vendo nossos pais, parentes e amigos acompanhando, torcendo ou ignorando as disputas em certos esportes.

Talvez muitos de nós, se pensarmos um pouco mais, vejam nesses certames olímpicos modernos, mesmo que a partir de origens laicistas e profanas, uma certa continuidade de uma tradição Ocidental e talvez Indo-europeia: a de jogos cíclicos (e possíveis tréguas, mesmo que só nas intenções). Não só os gregos tinham jogos religiosos ciclicamente estabelecidos, romanos e celtas também – e não duvido que houvesse algo entre os escandinavos, apesar de ignorar por completo. E mesmo que sob um fundo laico, “cívico” e “humanista”, as tradições como a da manutenção de um fogo (“sagrado”) e seu transporte, as referências às origens olímpicas originais (e “pagãs”) e a recompensa aos melhores competidores, esse reconhecimento honestamente aristocrático num mundo cada vez mais obcecado pela igualdade, laureados pela superação de si e dos outros, fizessem com que esse evento nos cativasse, mesmo que por uns breves momentos do nosso dia a dia, imersos na rotina de nossa tarefas e preocupações.

Abertura dos Jogos Olímpicos de 1896, em Atenas na Grécia.

Tanto que para alguns de minha geração, assistir as aberturas das Olimpíadas era algo esperado, mesmo que não se acompanhasse muito depois e servisse só como assunto pra conversa na escola. No geral, as apresentações olímpicas eram momentos memoráveis, mesmo que nem todas sejam pelos mesmos motivos, onde o país sede recria narrativas simbólicas e atualiza certos esquemas conceituais de forma quase mítica sobre sua própria história, identidade e cultura. Sim, tem-se um eco de “mítico” e “mágico”, mesmo que inconsciente por parte dos roteiristas e produtores, eco este que, por um breve momento, transporta os espectadores para um além-tempo de um simbolismo específico que num lapso, une e conduz, desperta e expõe o imaginário coletivo e a mente individual. E nisso tudo se misturam sentimentos de orgulho e patriotismo, maravilhamento, espanto, admiração ou decepção.

E isto nos leva a abertura dos jogos de Paris desse ano. A França atual é muito complexa, não pretendo reduzi-la. Por um lado, é a antiga Gália, terra de um povo aguerrido que se misturou com um pouco de romanos e depois germânicos, consolidando-se como uma das potências da Cristandade, justamente, por ter retido e preservado o ímpeto guerreiro. Por outro lado, esse mesmo ímpeto transformou-se e gerou uma expansão colonialista e um imperialismo intervencionista único. Para o que interessa cá, a Celticidade gaulesa mesmo, transformou-se pela influência franco-cristã e nos legou lendas arturianas, uma tradição trovadoresca própria e um cavalheirismo influente por todo o mundo medieval. É verdade que, se considerarmos a genealogia de certas ideias e a história do pensamento, mesmo dentro da esfera da Cristandade, desde a época medieval que a França tem suas estranhezas internas e ebulições: do Catarismo à perseguição aos Templários, da queda da Bastilha à coroação de Napoleão. Pioneira do Laicismo, campeã da Modernidade, um país que gerou e fez contemporâneos tanto o Marquês de Sade quanto Joseph de Maistre.

Bem, dado o estado geral das elites governantes na França e de sua luta interna com os setores de uma Direita lá, especialmente logo após eleições tão acirradas, talvez não fosse de se esperar coisas fantásticas na abertura das Olimpíadas que pudessem ser capitalizadas pelo meio patriótico e nacionalista francês, é bem verdade. No entanto, o que se viu foi algo além – foi além de uma mera provocação. E não só para a França, mas para o Ocidente como um todo.

Não me entendam mal, não somos cristãos cá e não poupamos críticas justas ao Cristianismo quando necessário, inclusive, responsabilizando-o por parte do declínio que o advento da Modernidade promove. Também não desejo estender ofensas gratuitas a espetáculos com pessoas trans. Não se trata disso. Mas é que a apresentação francesa foi um escárnio à História do próprio país e, para o Ocidente como um todo, uma demonstração de fraqueza e desvirilização. Sim, os inimigos do Ocidente, com razão, ao verem tal espetáculo, sentir-se-ão confiantes e atiçados para o ataque, com a moral renovada e com a fé sedimentada de que o mundo Ocidental deve ser destruído. Lhes será razoável pensar que se os ocidentais aceitam de bom grado tal esculhambação debochada e promovem tal coisa, é porque foram tomados de vez por forças titânicas e antagonistas que exaltam a degeneração e que docilizam todos sob a égide confortável do consumismo liberal. Trata-se de uma desmoralização espetacular e em escala global, um escárnio num nível espiritual e um convite para o ataque do inimigo.

Claro que para os cristãos, além disso, tem-se uma blasfêmia gratuita e “satânica” – os sujeitos da elite prog francesa não possuem os culhões para blasfemar contra a mourama que importaram para o país deles, sabem que se tivessem feito metade – só a metade – num espetáculo teatral global desses com algo da fé islâmica, a França amanheceria em chamas e com os ofendidos pisando num chão lavado com o sangue de franceses inocentes. O fato de direcionarem tal ataque não para os religiosos em geral, mas para uns especificamente (formadores e parte da cultura do país, diga-se de passagem), aponta para um ranço profundo com um certo setor (não exatamente minoritário, em termos puramente demográficos) do eleitorado francês, mas que transborda para todo o mundo (mas talvez, mais diretamente para o Ocidente) rachado e dividido política e moralmente. Não é demonstração de coragem bater em cachorro morto (ou moribundo), nesse caso específico, tá mais para um ato covarde, especialmente vindo de quem vem. E nesse sentido, mesmo não sendo cristão, mas em respeito aos meus antepassados recentes, familiares e amigos, e compreendendo a porção de nossa herança cultural advinda destes, me solidarizo com os ofendidos nesse caso específico.

Continuo crendo com firmeza que o futuro para o mundo Ocidental, e especialmente para a Europa, reside no resgate das fés Indo-europeias tradicionais pré-cristãs. Num tipo de Arqueo-futurismo, digamos assim. Mas escrevo cá por pressentir que a abertura das Olimpíadas de Paris talvez sejam uma espécie de sinal, um sintoma claro desse interregno, que não necessariamente indica que tudo ficará por isso mesmo e que a farra dessas elites governantes continuará como antes pelas próximas décadas. O curioso é que fora justamente na França Revolucionária que as primeiras tentativas de se recriar jogos “olímpicos” ocorreram com a tal da l’Olympiade de la République, a partir de 1796, e que seja justamente lá, agora, que as coisas indiquem estranheza na abertura da festa, especialmente enquanto se ouve bem os tambores de guera na Europa e as tensões cresçam por todo o globo. Em todo caso, cá na serra, junto do mato, me parece que os corvos já alçaram voo e os lobos já uivam pelas colinas. Resta saber se mais gente está vendo tais coisas.

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