A Forma Física como um Ideal Divino e Olímpico

Das civilizações indo-europeias a mais proeminente e que mais influenciou as culturas do Ocidente foi a Civilização Grega. Mesmo os regimes republicanos e democráticos, as religiões cristãs, e a arte beberam enormemente do ethos grego. Reconheçam ou não, é um fato histórico. Todo o Ocidente deve à Grécia suas obras literárias mais antigas e fundadoras de suas artes, ciências, suas fórmulas políticas, sua ética, seu imaginário e por consequência suas estruturas psicológicas. Além disso, a melhor parte do amálgama que compõe as religiões cristãs, como o escopo filosófico e litúrgico é grego e romano.

Dióscobo de Míron 450 a.C.

Se há um daimon, a alma por assim dizer, da civilização grega, ele atravessou o conquistador romano se perpetuando através dele. O grego foi a primeira língua para a qual a Bíblia foi traduzida, e os teólogos cristãos influenciaram-se sobremaneira pela religião e filosofia grega. Não há liturgia nas igrejas tradicionais cristãs sem o rito grego ou romano como estrutura. Eternamente retornando, a civilização grega marcou-se definitivamente no Renascimento, influenciando até os nossos dias em diferentes correntes as ciências, as artes, a arquitetura e o imaginário ocidental. A tal ponto que uma dissociação implica a destruição das sociedades ocidentais, pois as mina em sua base. É por isso que o movimento Woke vem atacando as ciências e filosofias gregas nos ambientes acadêmicos, vem destruindo a arquitetura das cidades, e difamando nossos deuses e heróis para corromper os exemplos e a moral, e, minar nossas estruturas sociais.

Na Grécia Antiga o Belo, o Bom e a Ordem eram conceitos interligados.

Porque para este ethos, o bom é algo que se pratica e se aperfeiçoa com a repetição, a rotina. É uma questão de excelência. Entre todos os povos indo-europeus ordem, rotina e rito, vêm de uma mesma raiz linguística. O contínuo aperfeiçoamento é o primeiro passo para a ordem física, mental e espiritual do indivíduo. E dentre os cidadãos da pólis grega, os melhores e mais caros à sociedade, são aqueles que colocam sua atividade diária a serviço do coletivo ao ponto de abrir mão da própria vida por este. Esta pode ser uma definição de herói. A classe guerreira era assim a Aristocracia na Grécia Antiga*. A rotina aristocrática exige que, mesmo em tempos de paz, o indivíduo esteja apto para defender o coletivo. Significa prontidão. Portanto é necessário manter o corpo e a mente sãos. Assim, uma rotina de atividade física, leitura e práticas religiosas integra as obrigações do aristocrata.

Superar os instintos, as vontades e os prazeres em detrimento de uma rotina sadia e de aperfeiçoamento pessoal é uma necessidade deste estilo de vida, de forma que a disciplina é um de seus valores, bem como a moderação e a temperança. A Areté, daimon da virtude, encarna então estas práticas e valores, enquanto Kakia, daimon do vício, encarna a fraqueza mental e corporal que deixam o indivíduo escravo de suas paixões: desejos, pensamentos de raiva e tristeza, preguiça, e etc. Os hábitos aristocráticos, refletem-se em saúde física e mental, mas são sobretudo aparentes na beleza física do corpo atlético, nas proporções e firmeza muscular. Por isso o Belo é a expressão exterior de um conjunto de virtudes que sugere a ordem interior do indivíduo. E dão significado a sua vida, na medida em que eles vivem pela defesa do bom e do coletivo. Para além de dar ao indivíduo um lugar na sociedade, dá também um lugar no Cosmos, na Ordem espiritual que move toda a natureza, pois dá sentido a sua existência. Consiste em uma identidade que ajuda o indivíduo a superar as dúvidas que as adversidades da vida colocam.

Não sem motivo a palavra cosmético vem de Cosmos. Cosméticos embelezam porque ajudam a colocar ordem na aparência física exterior. A arte grega primava pelas proporções e simetrias, e tinha por temática os heróis e deuses com seus corpos belos e, em sua maioria, atléticos. Os deuses como expressões máximas do sagrado, do eterno, portanto do verdadeiro, também manifestos na natureza e no ser humano, tinham que ser representados no ápice das capacidades do corpo humano: saúde, beleza, força e prontidão. As partes íntimas em tamanho reduzido nas estátuas simbolizavam a vitória da disciplina sobre os desejos, da virtude sobre o vício. O corpo nu, belo e atlético na Grécia não tinha apelo sexual, não representava falta moral nenhuma, pelo contrário, representava a vitória pessoal do indivíduo sobre si mesmo. Era motivo de orgulho, não de vergonha. A sexualidade só era vista como vergonhosa quando submetida aos vícios e fraquezas de caráter ou deslealdade. No entanto, nunca foram criminalizados, à exceção daquilo que hoje chamamos de pedofilia. No conjunto dos mitos gregos os próprios deuses dão exemplo de como a falta de moderação levava a digressões sexuais ou das leis divinas, desencadeavam a desordem e são frequentemente punidas.

Mas não se pode falar em beleza e em Grécia, sem falar de Phebo, Apolo, o mais belo dos deuses. Ele é o deus que conduz a carruagem do sol em seu ciclo diário e anual. É a expressão máxima da Ordem uma vez que é o sol o centro da galáxia, atraindo e fazendo com que girem em torno de si os demais planetas. O sol ordena todos os movimentos, todas as distâncias, ordena as estações do ano, o dia e a noite, ele impõe as regras que fazem a vida possível. Ele é a razão e a condição para toda a vida, tendo assim lugar central também nas religiões indo-europeias. Apolo como divindade responsável por traçar estes caminhos é, então, uma divindade da Ordem, consequentemente, da cura, da rotina saudável, da doença na ausência desta ou como castigo, da beleza, da vitória da luz, das artes e da sabedoria sobre a escuridão e o obscurantismo. É o destruidor da Píton, a serpente do caos, e senhor dos oráculos, pois quem determina o movimento dos astros, naturalmente conhece também como os desígnios destes se refletirão na Terra. Quando representado no centro de uma obra de arte e com uma auréola na cabeça ele está ocupando seu lugar nesta ordem do Cosmos e no estilo de vida do ideal grego.

Bassin d’Apollon de Jean-Baptiste Tuby, França 1671 d.C.
Reformado por ocasião das olimpíadas de 2024.

Os Jogos Olímpicos na Grécia existiram desde 776 a.C. Todos os anos as cidade-estados mandavam seus melhores soldados para Olímpia, onde Zeus derrotou Cronos e em comemoração instituiu estes jogos, vencidos por Apolo. Foi aí erigido o Templo de Zeus Olímpio, um bosque sagrado e um estádio para os jogos. Os competidores e o público acampavam no entorno e, se em tempos de guerra, era declarada uma trégua sagrada. Os escravos, estrangeiros e as mulheres não podiam competir*, e durante alguns períodos nem mesmo assistir aos jogos, era uma celebração da vitória e das características viris e bélicas de Zeus e da aristocracia guerreira grega. As disputas consistiam em jogos que imitavam a guerra porém sem letalidade. Corridas – em algumas os atletas competiam nus, em outras portando roupa, armadura e escudo. Havia também lutas desarmadas, arremesso de dardo e de disco, corridas de bigas e etc. Nesta trégua sagrada, a paz entre os gregos imperava sinalizando a união para celebrar algo que os superava em suas condições de indivíduos: a identidade grega e o sagrado. Contudo, as disputas eram também um palco para a dissuasão enquanto cada cidade-estado expunha as habilidades e capacidades de seus soldados. Vencer os jogos dava, então, prestígio a algumas cidades sobre as outras, e aos campeões olímpicos, a coroa de louros, isenção de impostos, e principalmente prestígio, com seus nomes entrando para a história como os melhores entre os melhores.

Representar os deuses gregos sem proporção e simetria nenhuma, ou seja, em corpos gordos, com cosméticos esdrúxula e grotescamente aplicados nos rostos para exagerar e caricaturar o rosto feminino, vestimentas e posturas hiper sexualizadas e junto a cenas de promiscuidade é a antítese do divino, a antítese do belo, da ordem, do bom, a antítese do ethos grego e dos ideais olímpicos. Ainda que Dionísio e algumas deusas não fossem representadas em corpos atléticos, todos eles eram representados na Grécia com beleza, simetria, posturas de dignidade, enfim, respeito. Estes deuses tinham seus espaços na sociedade grega em outras celebrações e costumes. Por isto a abertura das Olimpíadas de Paris de 2024 foi um insulto aos deuses e um afastamento completo dos valores olímpicos. A isto chama-se húbris, a perda do respeito pelo próximo ou pelos deuses. Tentativa de um mortal de sobrepujar os deuses, insultá-los, humilhá-los, uma vez acometido de Até, daimon da presunção e da fúria, que impede o indivíduo de refrear seus impulsos e desejos, descomedimento das paixões, e razão obtusa. Nem Teodósio insultou tanto os deuses e valores olímpicos ao proibir os jogos, quanto o governo da França, o comitê olímpico, e os demais envolvidos fizeram.

A Húbris nunca foi punida com leveza. Ela desencadeia a Nêmesis, a vingança divina, resultando em tragédias. Creiam os envolvidos neste evento e o leitor nos deuses do Olimpo ou não, foram eles os insultados, a reparação ocorrerá à maneira deles. Não precisa ser capaz de profetizar nem de ler o movimento dos astros para saber que qualquer pessoa envolvida em um ato como este, já vive afundado em hedonismo, tristeza, amargura, e que terá o tipo de fim ao qual este estilo de vida leva. Basta ver sua aparência. Nem para saber que quem defende este evento e tipo de comportamento, o faz porque também não é capaz de controlar sua própria mente e corpo, nem suas paixões, desejando assim, um ambiente de segurança para as práticas dos seus vícios. Hipocrisia e fraqueza de caráter.

Defender nossa herança grega é defender nossa cultura. E independente do país, religião e leis, se alguém acha normal uma criança estar em meio a pessoas com trajes e atitudes promíscuas e hiper sexualizadas, não tem nada que ninguém possa fazer para lhes explicar o que é bom, ordenado, belo e justo. Menos ainda se pode esperar desta qualidade de pessoas que entenda conceitos mais abstratos, como o divino e o sagrado. Essas pessoas não são capazes de compreender. Não vale a pena nem mandar para o inferno porque já têm lugar garantido no Tártaro.

*Naturalmente, tratamos aqui de um ideal, que nem todo indivíduo é capaz de alcançar, esteja ele ou não na classe aristocrática. E, nos referimos ao período antes de estas cidades serem destruídas pelas guerras e crises morais e econômicas resultantes da democracia.

*As mulheres tinham seus próprios jogos, chamados Haraea, em homenagem a Hera.

Uma opinião sobre “A Forma Física como um Ideal Divino e Olímpico

  1. Brazilian Druid's avatar

    Pelos Deuses! Que texto maravilhoso! Parabéns! Gostei de muitos trechos. Difícil escolher o melhor, mas ficarei com este:

    “A Húbris nunca foi punida com leveza. Ela desencadeia a Nêmesis, a vingança divina, resultando em tragédias. Creiam os envolvidos neste evento e o leitor nos deuses do Olimpo ou não, foram eles os insultado, a reparação ocorrerá à maneira deles.”

    Apesar do pequeno erro de concordância nominal, mas basta corrigi-lo.

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