Saturno é obcecado por círculos

Apegado a seus anéis. E talvez você também seja…

A dança da música do tempo, de Nicolas Poussin.

Cronos, o de mente curvada – e coluna também, uma vez que é idoso – influencia tudo a se curvar. As costas se curvam com a idade, com a servidão e com a humildade, as pétalas enquanto murcham. O tempo se curva tanto que é, de certa forma, cíclico, pois a galáxia gira; temos 4 estações em um calendário que se repete. Para Geertz o tempo não é um círculo, mas uma mola, ou seja, um ano, uma primavera, são semelhantes aos que os precederam, mas nunca idênticos; ano passado choveu mais ou choveu menos que o anterior, por exemplo. Se visualizarmos uma mola notaremos então que há direções. Ao colocarmos a mola na horizontal e esticarmos, teremos algo um tanto abraãmico e darwinista com a ideia de linearidade e evolução. Mas se colocarmos esta mola na vertical teremos algo indo-europeu, com a ideia de ascese. Uma progressão natural, ou pelo menos, desejável, ao longo do tempo.

Tem mais uma coisa que se curva de forma cíclica, o Karma, aquilo de que Saturno é o Senhor. Há várias correntes religiosas ou de pensamento que explicam o Karma de maneiras diferentes. Alguns o traduzem como “ação”, ou “obra”, sendo “sacrifício” a maior das obras. Karma seria então a correta execução do dever e da ritualística. Os resultados do Karma seriam os frutos (phalla) e futuro (samskara), que têm no passado a semente (bija). Ou seja, o presente é consequência dos comportamentos e disposições passado, e o futuro é consequência do presente – e isto significa que nem tudo ainda foi escrito. Mas se comportamento e disposição produzem o futuro, o que exatamente são? Eu acho que são nossos padrões de pensamento e as ações que executamos em função deles.

Eu não tenho arcabouço teórico para traduzir nem definir Karma. Nem mesmo para optar por uma ou outra corrente de pensamento. Mas eu tenho a minha humilde percepção advinda de parca leitura e profunda observação, e nela Karma é justamente um ciclo, é algo que se repete. É como ciclos não físicos dentro da mola do tempo. Quero dizer que você pode estar lá seguindo sua vida, para cima ou para baixo na mola, mas se há Karma (e sempre há), é como se no jogo da vida (ou das vidas) você fosse parar numa casa que te manda de volta para refazer todo um trajeto.

Um ciclo pode ser virtuoso ou vicioso, mas tudo o que volta ao mesmo ponto é necessariamente uma prisão, não é mesmo? No fim das contas a diferença entre ciclo virtuoso e ciclo vicioso é que, o primeiro te conduz para cima, e o segundo, para baixo, ou não te deixa progredir. Se pensarmos agora em termos platônicos, o primeiro te conduz ao divino, à libertação – o condutor da alma doma o cavalo negro e permite que o cavalo branco o conduza de volta à esfera divina. O segundo ao terreno, à prisão, que creio eu, fica lá no fundo do Tártaro, acorrentado com Cronos. O conceito hindu de Devayana fala de um “caminho dos deuses que transcende o ciclo”. Assim, os hábitos que conduzem para cima auxiliam no rompimento do Karma. Os hábitos que conduzem para baixo, auxiliam no acúmulo e criação de outros Karmas. Ou seja, a virtude conduz para cima e para a libertação, o vício, para baixo e para a prisão.

Na Jyotish medimos a complexidade dos Karmas pela posição de Saturno, e pelo Dasamsa. E a habilidade para subir ou descer pela posição de Júpiter e pelo Navamsa. Os pontos mais difíceis para Saturno são o Ascendente e Áries, domicílios de Marte, seu inimigo. A Casa 4 e 5, Câncer e Leão também, pois os luminares também são seus inimigos. Saturno coleciona inimigos, deu pra perceber, né? São o seu tesouro, seu apego. Não é à tôa que sua Guna é Tamas. Enfim, no Ascendente sua missão é simples: servir, curvar o corpo, tornar humilde. Toda conjunção de Saturno é difícil, mas a conjunção com os luminares, é pior, pois Saturno enverga e desidrata tudo em que se encosta. Em signos de fogo, apaga jogando terra; nos de Terra, petrifica; nos de Ar, paralisa; e nos de Água, congela.

Se Saturno encosta no seu Sol, joga uma pá de terra na relação com o pai, prejudica sua auto estima. Inclina seu pai a tendências tamásicas. Seu pai, por sua vez, te passa este padrão. E seu Sol vai ter que se purificar através da queima de toda esta herança maldita dentro do seu coração. Na idade avançada Saturno debilita seu pai colocando-o numa situação de dependência de você, para vocês aprenderem através da dor e do serviço a se amarem. Esse é o Karma desta conjunção.

Se encosta na sua Lua, prejudica a sua mãe, sua gestação e a sua mente: você tem dificuldade de compreender seus sentimentos e os dos outros, e, se inclina às emoções e ideias de natureza Tamas, tanto as alimentando em si próprio, quanto se rodeando de pessoas e situações igualmente perturbadas. Você é pessimista, porque está preso a uma dor do passado, tem medo de repeti-la. E como Saturno gosta do passado! Saturno é o passado batendo na porta da frente, com uma carta, um presente, uma fatura para pagar, ou aquela ordem de voltar x casas atrás e refazer todo o percurso. Ao medo de repetir a dor, você reage com raiva. E como tem dificuldade de compreender suas emoções, nem se dá conta deste padrão.

Quando Saturno se opõe aos luminares, ele não os desidrata nem apaga, está longe demais para fazê-lo. Mas ele vai ficar atirando pedras ao longo da sua vida. Então, se está em oposição ao Sol, vai atirar pedras no seu pai, no seu coração, na sua saúde física e na sua auto estima. Se está em oposição à Lua, vai atirar pedras na sua mãe, que vão ricochetear na família toda, e na sua saúde mental também. Aqui você não tem nenhuma dificuldade para sentir, pelo contrário, você sente profundamente, inclusive a dor das pedradas nas pessoas que você ama.

Romper um karma é romper com o passado. E é certo que as experiências do passado nos tornam sábios. Mas você não pode deixar o passado te moldar. Porque o passado, Saturno, se te molda, te curva. Esta curva pode ser positiva: humildade. Mas também pode ser negativa: uma personalidade torta, um caráter retorcido. E um caráter retorcido não é íntegro.

Integridade é quando os eventos do tempo, da vida, as ações de terceiros, te envergam momentaneamente, não permanentemente. Porque a vida vai bater em você, isto é certo, é a regra! Mas se você vai deixar que a dor, o medo, a raiva, a preguiça, enfim, toda a Tamas dessas experiências quebrem ou danifiquem sua coluna ou caráter, aí depende só de você. A tempestade vem e inclina as árvores, mas as fortes voltam a seu estado normal. Igualmente sua saúde mental e motivações. Sua identidade precisa voltar ao estado original, ereto. Você tem que continuar seguindo para cima! Se você teve uma experiência dolorosa no passado e isto modificou permanentemente suas emoções e seu caráter, você está preso ao passado. Ainda que você não se lembre, que não tenha em mente o evento ou a pessoa que te fizeram mal. Mas se eles te modificaram, você continua preso a eles. Continua preso em um ciclo, seguindo involuntariamente para baixo. Seu padrão mental te faz voltar x casas para baixo e repetir os eventos: encontrar o mesmo tipo de pessoas, de eventos, passar de novo pelos mesmos tipos de situações e dores. Ouso até a dizer que você fecha a sua percepção para as boas oportunidades, e, inconscientemente escolhe as que te mantém no mesmo padrão.

Só tem uma modificação que os eventos e pessoas têm o direito de produzir em nós: nos ajudar a consertar nossos caules depois de uma tempestade. Qualquer outra tem que ser combatida e superada. E a grande sacada é fazer com que experiências ruins que tentam nos curvar, nos tornem mais fortes. Eu não digo isto no sentido de ter um tronco rígido que não se move ao sabor de vento algum. Não. Tronco muito rígido aparenta ser forte mas por falta de maleabilidade se parte nas piores tempestades. As experiências podem e vão nos curvar, mas nós vamos aprender a ser maleáveis, para extrair sabedoria do evento, voltando à posição ereta, íntegros.

Agora eu vou lhes contar como qualquer um, independente da posição de Saturno, pode superar os seus Karmas:

Sente-se voltado para o Leste ou o Norte e medite.

É só isso mesmo. Mas para vocês não ficarem na descrença, eu vou explicar o funcionamento:

Primeiro, por que estas direções? É do Leste que vem o Sol e sua Numen: a luz, a visão, a clareza, a razão, a compreensão, a cura, a vida. É do Norte que vem o divino nas tradições indo-europeias, da Irlanda até a Índia, seja no mito da origem dos imortais, os Tuathá Dé, ou os Hiperbóreos, ou nas invasões que permitiram o surgimento da civilização védica. Resumindo: é do Norte que vem o Dharma. E Dharma é o fruto da boa ação e disposição. Se você quer esta Numen na sua vida, é para estas direções que você deve ir. Não andando, claro, nem de navio como Píteas. É contemplando com o Sol que há dentro de você, o olho da sua alma. Você fecha o olho físico e permite que sua mente se direcione às Numina divinas. Assim você cria um hábito mental, você seleciona seus pensamentos, e um ciclo virtuoso se forma.

E como selecionar os pensamentos? É para isso que serve a repetição de mantras e orações. Eu li, a mais de 10 anos atrás, um artigo científico que comparava os efeitos de longas horas de orações e meditações entre os cérebros de freiras e de yogis. E o resultado era quase igual! O que há de semelhante entre a prática religiosa de uma freira, cristã, e a de um yogi, hindu, é que eles têm rotinas austeras e permanecem parados por longos períodos de tempo entoando, repetidamente, um canto religioso. Essa prática desenvolve a glândula pineal, estimula a produção de endorfinas e controla a produção de cortisol. Resultado, são pessoas mais saudáveis e com maior aptidão para lidar com os estresses da vida sem se deixar abater e encontrando as soluções com maior eficácia. E felizes! Sim, na austeridade, sem prazer nem gozo algum, são as mais felizes!

Então, caros leitores, eu não sei o que você vai entoar e repetir, como você vai contar, mas eu sei que algum bem isto vai te fazer, à medida que você treina sua mente a se concentra nos significados e emoções benéficas que este mantra ou oração despertam em você. É um exercício diário, quanto mais você faz, mais você seleciona seus pensamentos e habitua seu cérebro a se manter nesta frequência.

Aviso: esqueça esta besteira de esvaziar a mente e não pensar em nada. É para pensar! É natural pensar! Se você se esforçar para não pensar, vai produzir cortisol! Ao invés disso, observe seus pensamentos: note quais são os seus padrões, seus hábitos mentais. Analise-os: o que você pensa com frequência? Quais sensações e sentimentos despertam em você? Como seu corpo reage a eles? Você sente alguma tensão no ventre, nas costas, na cabeça? Algum músculo se retesa? Quais outros pensamentos se seguem a ele? Quais influências têm sobre suas decisões e a opinião que você forma de si mesmo e do mundo? Disseque seus ciclos de pensamentos, eles são o seu subconsciente te mostrando seus karmas: aquilo ao qual você está preso(a). Conhecendo os padrões que geram Tamas (medo, dor, tristeza, apatia, etc) você consegue substituí-los criando outros pensamentos virtuosos, e assim interromper o ciclo vicioso.

Como se concentrar? Contando. Há tradições que usam instrumentos como o japamala ou o terço para contar. Eu recomendo o uso dos dedos, porque isto também estimula a concentração em pontos do corpo, a percepção corporal. Facilmente vocês vão ver profissionais da área da saúde mental chamarem isto de Mindfullness, como se algum anglófono tivesse inventado esta técnica milenar. Quando a única coisa que eles fizeram foi desligar esta prática das tradições religiosas e do benefício espiritual que ela também oferece, tornando-a mais palatável aos ateus doentes do Ocidente moderno.

Enquanto meditar, concentre-se em 4 coisas ao mesmo tempo: 1. Entoar um mesmo mantra (ou oração) repetidamente. 2. Seus dedos e a contagem, para mudar de um para o outro ao passo que um termina e outro começa. 3. Seus próprios pensamentos. 4. Analisá-los e selecionar quais apaziguar e quais estimular. Você não vai conseguir isto logo no primeiro dia. É natural que os primeiros dias pareçam entediantes. Mas com o tempo e o hábito, vai ficar muito fácil, até prazeroso. De fato, é tão agradável que freiras e yogis trocam toda a Rajas da vida em sociedade por isto.

E Saturno adora disciplina, rotina, repetição. Ele adora recompensar esforços repetidos ao longo do tempo. Aqui vou dizer algo que talvez seja polêmico para quem conhece astrologia: eu não acho que Saturno exija que as coisas sejam difíceis. Eu acho que o que ele exige é aprimoramento através da repetição no tempo, ou seja, excelência. Saturno não vai dar colheita enquanto o plantio não estiver suficientemente bem feito. Não vai dar beleza enquanto o artesão não tiver aprimorado a técnica. É simples. Se você vai passar os ciclos de aprendizado da sua vida reclamando e detestando cada minuto, o problema é seu e de quem tem o azar de conviver com você. Se você é capaz de entender a necessidade deste aprendizado e o benefício dele a longo prazo, você facilita a experiência toda e se ajuda a ser feliz.

Mais do que isso, você se molda, você se esculpe. E é incrível o quanto a gente consegue moldar nossa personalidade e nosso destino só nos tornando conscientes do padrão de pensamentos que temos, quais as suas origens, consequências sobre nossa maneira de ver o mundo e agir nele, e selecionando quais manter, quais descartar, e principalmente, quais criar!

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