Tradução: Alain de Benoist – “O que é a Identidade?”

Por ocasião da chegada nas livrarias de “Nous et les autres, L’identité sans fantasme” (Le Rocher), Alain de Benoist responde às questões de “Breizh-Info”. A questão da Identidade atravesa a socidade de canto a canto. Mas o que sabemos nós sobre Identidade, filosoficamente falando? A que se refere? Como apreendê-la? É a estas questões – e a outras – que Alain de Benoist responde, enquanto filósofo.

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Tradução para o português por M. Diniz ‘Nemetios’, a partir do original aqui

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BREIZH-INFO. Antes de mais nada, o livro parte da vontade de responder aos debates atuais sobre identidade ou identidades, debates estes monopolizados midiaticamente e curiosamente pela extrema-esquerda e por uma certa esquerda?

ALAIN DE BENOIST: Eu diria antes que parte do desejo de ver as coisas com mais clareza nesses debates que, hoje, parecem mais com corridas de ratos. Nos nossos dias, todo mundo fala de identidade, mas na maioria das vezes é sob a forma de uma ladainha ou de um slogan. Quando pedimos àqueles que mais falam sobre isso que digam o que querem dizer com tal coisa, que conteúdo dão à identidade, que ideia têm dela, obtemos respostas perfeitamente contraditórias. Meu livro é uma tentativa de focar um ponto. A primeira parte, a mais teórica, procura mostrar como a noção de identidade se formou ao longo da história social e da história das ideias, particularmente em relação ao surgimento do indivíduo. A segunda, mais atual e polêmica, analisa o identitarismo racialista propriamente delirante dos círculos indigenistas ou “pós-coloniais”.

Digo na introdução que a identidade é vital e embaçada. Vital porque não se pode viver sem identidade, embaçada porque a identidade é sempre complexa: inclui diferentes facetas que podem entrar em conflito umas com as outras. Os dois erros a não cometer são acreditar que a identidade não é vital porque é embaçada, ou que não pode ser embaçada se for realmente vital.

Para bem compreender o que está em jogo na narrativa de identidade, três categorias de diferenças devem ser levadas em conta: entre identidade herdada, geralmente no nascimento, e identidade adquirida (que é tão determinante quanto a primeira: quando você morre por suas ideias, você morre por uma identidade adquirida), entre a identidade individual e a identidade coletiva e, sobretudo, entre a identidade objetiva e a percepção subjetiva que dela temos. As diferentes facetas da nossa identidade não têm a mesma importância aos nossos olhos, e é isso que determina o nosso sentimento de proximidade com os outros. Se sou bretão, francês e europeu, sinto-me mais bretão do que francês ou vice-versa? Mais francês do que europeu ou vice-versa? Se sou cristão, sinto-me mais próximo de um cristão do Mali do que de um norueguês pagão (por motivos religiosos), ou vice-versa (por motivos culturais)? Se sou uma lésbica de direita, sinto-me mais próxima de um homem de direita (por razões políticas) ou de uma lésbica de esquerda (por razões sexuais)? Pode-se imaginar mil e uma perguntas dessas. Elas nos mostram que os diferentes aspectos de nossa identidade não necessariamente se harmonizam entre si.

BREIZH-INFO. A era da globalização, o advento da sociedade liberal, principalmente após os conflitos civis do século XX na Europa, parece ter apagado em parte a questão da identidade, que agora está voltando noutros aspectos. O sinal de uma força muito mais importante do que qualquer questão de ordem econômica em particular?

ALAIN DE BENOIST: A questão da identidade não faz um retorno, simplesmente surge. Nas sociedades tradicionais, a questão da identidade nem sequer se coloca. É na era moderna que começa a surgir porque os marcos são apagados, e cada vez mais pessoas se perguntam sobre o que são e a que pertencem. “Quem sou eu ?”, “quem somos nós?” são questões que só surgem quando a identidade está ameaçada, incerta ou já desapareceu. É isso que torna essa noção inerentemente problemática. Supostamente a solução, também faz parte do problema.

É um erro acreditar que a extensão das preocupações identitárias coloca as questões econômicas em segundo plano. O econômico e o social também fazem parte da identidade. A nossa identidade econômica, social, profissional ou outra é inseparável das outras facetas da nossa personalidade. Isto é tudo particularmente verdadeiro para as classes populares, que estão bem cientes de que são, atualmente, objeto de discriminação cultural e social: elas se sentem como estrangeiras em seu próprio país e sofrem do constante desprezo de classe. Sentem-se, portanto, duplamente excluídas. Separar a identidade e o social é um contrassenso. Isso é o que Eric Zemmour não entendeu, pois acreditava que poderia ressuscitar a divisão esquerda-direita associando um discurso anti-imigração dos mais ansiosos com opções econômicas liberais. As classes populares naturalmente preferiam Marine Le Pen.

BREIZH-INFO. Este início de século XXI também parece marcar o retorno da questão da raça, do racialismo, no debate identitário, em especial por causa dos movimentos indigenistas (mas não só). Você considera esse debate fundamental ou, ao contrário, constitui uma forma de voltar ao passado, de essencializar a identidade por esse prisma?

ALAIN DE BENOIST: As raças existem e os fatores raciais devem ser levados em conta como todos os outros. Dar a eles importância central, querer explicar tudo por meio deles, é inconsequente. Já publiquei três livros contra o racismo, não voltarei a eles. A verdadeira natureza do homem é a sua cultura (Arnold Gehlen): a diversidade de línguas e culturas resulta da capacidade do homem de se libertar das limitações da espécie. Querer basear a política na bioantropologia equivale a fazer da sociologia um apêndice da zoologia, e interdita a compreensão de que a identidade de um povo é antes de tudo sua história. Este não é apenas um tipo reducionista de regressão, é também profundamente impolítico. Vemos o resultado disso com as ilusões racialistas da ideologia “woke”, que são perfeitamente comparáveis ​​às ilusões da supremacia branca americana: o grau zero do pensamento político.

BREIZH-INFO. Por que você escolheu se concentrar particularmente na questão da identidade judaica? O que ela nos diz hoje?

ALAIN DE BENOIST: Consagro um “excursus” a esta questão colocada no apêndice do meu livro. A razão é simples. Nos últimos dois milênios, o povo judeu foi constantemente confrontado (e confrontado por si) com a questão de sua identidade. Enquanto tantos outros povos desapareceram no curso da história, ele conseguiu se manter na diáspora por meio de uma disciplina intelectual constante e por meio da proibição de casamentos mistos. Sem essa endogamia rigorosa, sem dúvida teria desaparecido. O que também é interessante é que o pensamento judaico sempre esteve dividido entre um polo universalista e um polo particularista. A resposta que o judaísmo ortodoxo dá à pergunta: “Quem é judeu?” difere completamente da legislação anti-semita que distingue entre “meio-judeus” e “um quarto-judeu”, o que não diz grande coisa. Segundo a tradição da halakha, o que prevalece é a lei do tudo ou nada: é judeu quem nasce de mãe judia, não é judeu quem nasce de pai judeu e mãe não judia. É claro que, ao longo dos séculos, tudo isso deu origem a discussões acaloradas, que se ampliaram ainda mais após o estabelecimento do Estado de Israel. Escolhi este exemplo para mostrar que a identidade nunca é uma coisa simples.

BREIZH-INFO. Dedicaste a maior parte da tua vida à defesa da identidade e, em particular, da civilização europeia. Como teu olhar e própria percepção de quem és e do que os outros são evoluíram ao longo de várias décadas? E hoje, quem és tu, quem são os outros?

ALAIN DE BENOIST: Sem dúvida, meu olhar tornou-se mais refinado, mas nunca mudou. Pessoalmente, defino-me fundamentalmente como um europeu, solidário com a sua história e a sua cultura. Numa época de crise generalizada das doutrinas universalistas, gostaria que a Europa se tornasse uma potência civilizacional autônoma. Mas esta definição de “nossidade” não é exclusiva de outras. Não conduz à xenofobia nem à recusa em reconhecer os valores e a grandeza de outras culturas do mundo, muito pelo contrário (em certos pontos, devemos mesmo tomar o exemplo delas). Em nossas relações com os outros, devemos entender que toda identidade é dialógica: não temos identidade se estivermos sozinhos. Os sistemas universalistas lutam para fazer a alteridade desaparecer em favor de um mundo unidimensional. São esses sistemas que representam o principal inimigo, porque querem erradicar as diferenças entre todos os povos.

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