Tradução para o português por Marcílio Diniz ‘Nemetios’ do original disponível no ‘The Burkean‘: https://www.theburkean.ie/articles/2020/09/21/irish-paganism-is-a-farce-but-it-shouldnt-be e publicado pelo autor em 21/9/2020.
Um texto curioso a qual tive contato – só hoje, na data que publico cá – a partir de uma publicação no Telegram. Falávamos algo disso desde o blog “Parahyba Pagã” há mais de 10 anos atrás, é verdade, e apontávamos para o que chamava de “paganismo de shopping” e do todo o embuste liberal-americanizado em diversos momentos de textos posteriores, alguns mesmo disponíveis cá. Daí que talvez alguns dos leitores mais antigos identifiquem certa consonância com o que viemos apontando cá faz tempo. Obviamente que há diferenças (por exemplo, no nosso ver se trata mais de uma oposição “trad x prog” do que de algo como “direita x esquerda”). Traduzimos e disponibilizamos mais como um registro e apontamento, especialmente para aqueles que, como eu, desconheciam o autor e sua abordagem da questão do “embuste neopagão”.
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Ao longo dos últimos meses, esta publicação foi agraciada com uma série de artigos da mais alta qualidade sobre o catolicismo irlandês. Esses artigos, como o de Paul Cullen, ilustram de maneira bela as grandes tradições filosóficas e teológicas da Igreja na Irlanda, defendendo, direta e indiretamente, o envolvimento contínuo da fé no futuro da Irlanda.
Para ser honesto, isso me incomodou muito.
Veja, eu sou o que se chamaria de “pagão”. Não estou particularmente feliz com esse rótulo por uma ampla variedade de razões, a principal delas é que, ao contrário dos católicos, os pagãos irlandeses, em sua maioria, parecem totalmente incapazes de se envolver com filosofia ou teologia de maneira significativa.
Paganismo Intelectual, Moderno e Histórico:
Esse não é um traço inerente às religiões politeístas, vivas ou não. Tanto o hinduísmo quanto o xintoísmo têm bibliotecas dignas de teorias filosóficas e teológicas, muitas das quais sustentam a própria existência da identidade nacional indiana e japonesa, respectivamente.
Olhando mais pra perto de nós, a tradição é tão prestigiosa quanto. Talvez pelo fato de que dois dos maiores pensadores de todos os tempos, Platão e Aristóteles, fossem ambos claramente pagãos, com Platão em particular inclinando-se fortemente para alguns dos elementos mais místicos da tradição espiritual européia com suas caracterizações de Sócrates e Diotima.
No mundo pós-moderno, o paganismo europeu deu saltos e giros para recuperar a complexidade intelectual e a respeitabilidade que detinha dois mil anos antes, principalmente graças ao trabalho de pagãos alinhados à Direita.
De particular interesse é Thomas Rowsell, que esta publicação teve a sorte de entrevistar. O trabalho de Rowsell tem sido consistentemente excepcional, demonstrando uma compreensão acadêmica de genética, história, geografia e teologia pagã. Além disso, Rowsell empacota seu conhecimento em vídeos de imensa qualidade em relação ao roteiro e à cinematografia.
Como tal, seus vídeos conquistaram milhões de visualizações on-line, ganhando um grau significativo de reconhecimento em todo o mundo. Rowsell provou ser um cineasta de visão e integridade muito maiores do que as comumente encontradas na mainstream BBC ou RTÉ.
Historicamente, o politeísmo irlandês também tinha grandes ligações com a dimensão intelectual. Os druidas, os famosos líderes religiosos da Irlanda, eram frequentemente descritos como filósofos naturais e morais por fontes gregas e romanas. Certos historiadores, como Peter Berresford Ellis até atribuíram o Pitagorismo grego à religião celta antiga, alegando que o próprio Pitágoras foi instruído em filosofia por druidas e, como resultado, compartilhava uma crença semelhante na reencarnação.
Dos discípulos mais contemporâneos da tradição intelectual irlandesa em relação à espiritualidade, W. B. Yeats é sem dúvida o mais famoso. Yeats ao longo de seus muitos anos trabalhou incansavelmente com a espiritualidade ocultista, sua prática e teoria foram constantemente incorporadas na tradição irlandesa, sendo o responsável por preservar uma grande quantidade de folclore irlandês através de seu trabalho. Yeats escreveu extensivamente sobre metafísica oculta em uma tentativa de finalmente entender a própria natureza da realidade, compilando o que era, em última análise, seu próprio sistema espiritual em seu livro, “A Vision“. Seu trabalho ocultista se entrelaçou bastante com sua poesia e sua política, com suas visões direitistas e ocultistas sendo melhor resumidas no poema “The Second Coming“, no conto “Rosa Alchemica” e no prefácio de “Certain Noble Plays of Japan“, de Ezra Pound.
O Reino do “Cat-Lady Paganism“:
Então, por que, com o paganismo claramente contendo dentro de si o potencial para grandes discussões e debates intelectuais, o tal paganismo irlandês contemporâneo carece tanto dele? Por alguma razão bizarra, essa tradição espiritual, tão intrinsecamente ligada à investigação filosófica em si, deu lugar quase completamente ao que só pode ser chamado de “Cat-Lady Paganism“.
Ao contrário da tradição que veio antes dela, o tal “Cat-Lady Paganism” não respeita a investigação intelectual de qualquer tipo, especialmente se este puder provar que uma crença está certa ou errada. Em vez disso, a “experiência pessoal”, juntamente com as hierarquias de opressão, são defendidas acima de qualquer verdade.
Deixe-me assegurar-lhe que tentar envolver um “cat-lady pagan” numa discussão filosófica ou teológica é como tentar ensinar um tijolo a nadar. Dentro do “Cat-Lady Paganism“, não há espaço para atividade intelectual, especialmente se se tentar fazer referência às obras de filósofos fora do paganismo irlandês (assim, qualquer filósofo cujos escritos sobreviveram até hoje). É devido à influência desta tradição (se é que se pode chamar assim) que o paganismo irlandês agora não passa de uma farsa.
A porta-voz mais proeminente desta nova seita, pelo menos tanto quanto vejo, é Lora O’Brien. Cofundadora do ‘Irish Pagan School‘, o trabalho de O’Brien parece se resumir à venda de uma versão despojada da espiritualidade irlandesa para uma audiência majoritariamente americana. Como tal, há um matiz ‘interseccional’ distinto nisto que não possui base na tradição Irlandesa, cultural ou teológica. Noções recorrentes do trabalho de O’Brien incluem a ideia de que a igualidade é um valor-chave dos irlandesas assim como de sua tradição espiritual, e que os irlandeses “SEMPRE se alinham com as minorias, os oprimidos, imigrantes, indesejados, despossuídos e vítimas de limpezas étnicas (sic)”.
À primeira vista, tais noções são, é claro, totalmente ridículas. Em primeiro lugar, a sociedade pagã irlandesa foi organizada em torno de um sistema de castas com uma hierarquia muito rígida, algo comum a uma grande variedade de sociedades indo-europeias anteriores ao cristianismo. A afirmação de que os irlandeses sempre tiveram uma ideia de igualdade humana, muito menos sempre a valorizaram, é nada menos que historicamente iletrada.
Ainda mais cômica é a ideia de que os irlandeses sempre estão do lado de imigrantes, minorias e outros grupos vitimizados. O Ciclo Mitológico, que O’Brien frequentemente cita, só pode realmente ser lido como uma advertência contra a imigração, já que as tribos são consistentemente esmagadas pela próxima onda de “novos irlandeses”. Este tema da xenofobia é cristalizado com o personagem de Bres, um rei birracial cuja natureza corrupta se deve apenas à sua herança fomoriana, em oposição à sua beleza e talento, que surgem de seu sangue Tuatha Dé. Que progressista…
Além disso, as ações registradas da própria divindade a qual O’Brien se diz “dedicada” também contradizer suas alegações. A Morrigan, uma divindade que O’Brien parece reivindicar como defensora da igualdade e dos direitos das minorias, é ela mesma cúmplice da limpeza étnica não de um, mas de dois grupos étnicos separados. Além do mais, parece que a própria mitologia a credita por orquestrar o segundo desses genocídios, que foi contra os mencionados Fomorianos. Verdadeiramente uma campeã dos direitos dos migrantes…
Além dessas falhas doutrinárias, há algo fundamentalmente desanimador no ministério de O’Brien. Ao contrário da grande maioria dos líderes religiosos, que fornecem seu trabalho gratuitamente e, em vez disso, sobrevivem de doações, O’Brien bloqueia muito de seu conteúdo por trás de um muro financeiro, ainda por cima.
Por exemplo, a maioria dos cursos disponíveis no site da Irish Pagan School custa cerca de 20€, sendo o mais caro 75€. Talvez estejam sendo vendidos de boa fé e O’Brien acredite que esses cursos valem o preço pedido, mas, pelo menos para mim, não consigo afastar o cheiro de fraude que exala desse estilo de prática. O fato do “produto” parecer ser mais consumido pelos americanos não ajuda exatamente a mudar essa impressão.
Para ser claro, não estou dizendo que a prática de vender o próprio conhecimento seja desonesta em si, mas que não dá credibilidade à tradição pagã irlandesa como um todo da mesma forma que o ministério livre faria.
Apesar de todos esses aspectos negativos, essa forma moderna de “Cat-Lady paganism” tornou-se a forma mais proeminente na Irlanda. E como tal, para alguém que detesta esses aspectos negativos e não quer ser associado a essa seita, pode ser mais do que frustrante quando sou forçosamente agrupado a ela. Sempre que entro em uma discussão sobre religião com um amigo, católico ou não, inevitavelmente terei que passar a primeira hora me distanciando desse tipo de coisa.
Mas, como eu disse antes, não precisa ser assim. Enquanto O’Brien e cia são os pagãos irlandeses mais proeminentes por aí, felizmente existem alguns dissidentes.
Um caminho a seguir
Embora infelizmente não seja baseado nesta ilha, o Youtuber Fortress of Lugh lançou uma quantidade significativa de conteúdo de uma perspectiva pagã que é filosoficamente e historicamente letrada. Infelizmente, seu número de seguidores não é exatamente grande no momento, mas espero que em breve veja o aumento que ele merece por seu trabalho duro.
Depois, há Thomas Sheridan. Embora longe de ser clássico em relação à sua abordagem ao Paganismo, Sheridan certamente não é um “cat-lady pagan“. Um autor que começou a escrever sobre psicopatia, Sheridan agora se concentra em fazer vídeos amplamente sobre espiritualidade antiga, mas que frequentemente se ramificam em comédia, literatura, cinema e política, e nunca tem medo de expor uma nova ideia ou opinião divergente.
Embora certamente um gosto adquirido, o criador domiciliado em Sligo é surpreendentemente influente na Direita irlandesa. Cada vez mais me encontro com pessoas ativamente envolvidas em festas, publicações e ativismo individual que se descrevem como fãs do polímata. A maioria dessas pessoas cita a perspectiva única e valiosa de Sheridan como o que os mantém assistindo seu conteúdo. Francamente, eu mesmo não acredito que seja possível saber o significado de uma hot take antes de assistir a um dos vídeos de Sheridan.
Provavelmente o melhor exemplo disso foi seu podcast Velocity of Now publicado após o referendo sobre o aborto. As ideias que Sheridan formula, quer se concorde ou não, sempre deixarão o ouvinte com uma compreensão sobre um tema que antes não tinha. Isso ocorre porque Sheridan tem uma capacidade quase sobrenatural de mudar sua perspectiva sobre um determinado tópico. Tal habilidade provou ser inestimável para muitos, inclusive para mim. Ele definitivamente merece ser seguido em seus vários sites de mídia social. Ele também não tem tempo para besteiras, o que eu respeito muito.
Infelizmente, porém, pessoas como essas não são o rosto do paganismo irlandês. A partir de agora, essa posição é assumida cat-lady pagans, e seu sistema de crenças simplesmente não é o tipo de coisa na qual se poderia repousar uma nação. Enquanto os católicos podem se gabar de uma fé comprovada para defender as nações, os pagãos direitistas devem lidar com um senso de “espiritualidade” egoísta que mina suas próprias posições.
A verdade é que o paganismo irlandês agora é uma farsa, e até que essa seita moderna e antifilosófica seja desapropriada de sua posição de destaque, continuará assim.
Texto muito bom.
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