Texto originalmente publicado no blog “Parahyba Pagã” em 21/06/2009. Mantivemos a redação original, caso hajam novos comentários estes aparecerão entre chaves [] no texto.
Aqui na Paraíba, assim como Nordeste a fora, os festejos juninos explodem em cores, fogos, alegria e músicas. Entre os dias 20 e 23 (depende do ano) de Junho ocorre o Solstício de Inverno que é eclipsado pelo dia de São João. A comemoração de São João é pagã (com todas as letras e maiúsculas) em essência e forma [apesar de alguns católicos mentecaptos e afeitos a mentira, inventarem os mais toscos contorcionismos teóricos para tentarem validar historietas sobre santos, escritas por monges desocupados 300 ou 400 anos após os tais “santos” terem morrido, e com cara dura nos dizerem que devemos atribuir validade histórica rigorosa!], e tem origem direta nas celebrações europeias do solstício oposto (afinal, enquanto aqui é verão, no hemisfério norte é inverno, e vice-versa): o de Verão.
A festa no Nordeste tem um caráter essencialmente ibérico (afinal, quem trouxe estas festas?) e mesclou, naturalmente, elementos diversos ao longo do tempo. No geral, no imaginário Indo-Europeu, o Solstício de Verão é a época do triunfo da luz, do maior dia, tempo de um quentura agradável (lá na Europa e Ásia), frutos, muito verde, rios correndo, céu limpo e azul, tempo de se passar ao ar livre, etc. É uma época de fertilidade e alegria, de viço e reprodução. Com o Cristianismo, por óbvios motivos políticos, a incorporação de tais festas repercutiram não só na substituição dos ídolos (um deus/deusa da Fertilidade/Casamento/Sexo por um tal de “santo Antônio”…) mas em um enquadramento moral que reduziu muitas das práticas tidas por imorais e hereticamente sensuais ao nível mais simbólico. O caráter geral da festa do Solstício de Verão na Europa, explica por si só todo o colorido, fogueiras e fogos, associações com namoro, sexo e casamento, alegria, danças tradicionais – muitas vezes simbolicamente relacionadas a reprodução e fertilidade [além de que, como nos lembra M. West, danças circulares nesta ocasião são regra por todo o mundo Indo-europeu].
A importação desta festa se aclimatou bem no inverno Nordestino (seria muito difícil de se aclimatar em um inverno próximo ao europeu). Aqui não neva. Poucas árvores perdem as folhas, não faz tanto frio, a vegetação está verde e por causa das chuvas a agricultura fornece mais variedades e mais fartura. Mas talvez estas sejam as únicas semelhanças entre nosso Inverno e o Verão Europeu. Aqui, poucas são as árvores que floram (com exceção das extremamente adaptadas as secas, que florem com qualquer pingo d’água), e poucos são os frutos de árvores nativas que aparecem (a exceção das que frutificam o ano inteiro, bastando ter água!). A neblina e a chuva fina e constante de muitos dias, o verde escuro e nu (sem flores e tantos coloridos) tornam muitas das regiões da Paraíba a fora, um cenário um pouco diferente do que um europeu entende por ‘verão’. Mas voltemos ao Solstício de Inverno.
No mundo Indo-Europeu como um todo, tal data marca o nascimento de um deus/deusa associado ao Sol de alguma forma. É o “Natal” do imaginário popular. Os romanos incorporaram o culto do deus persa Mitra – que nascia nesta data, de onde grande parte do imaginário cristão se embebedou. Entre os próprios Romanos haviam as Saturnálias (ou Saturnais), que como o nome sugere, era festas relacionadas a Saturno (deus relacionado a Agricultura, Submundo, a Força e um tanto Obscuro, neste sentido relacionado a Pai Dite, – o Plutão, Hades grego e provavelmente o Sucellos dos gauleses, além do Dyaus Pitar dos hindus – e ao próprio grego Khronos) e que terminavam justamente na data do Solstício de Inverno (começavam, se não me falha a memória, depois dos Idos de Dezembro), assimiladas na época do Império ao festival do Sol Invicto. No mundo Romano, no geral, tal clima frio do Inverno e Saturno favoreciam festas mais intimistas.
Em relação ao Mundo céltico, há uma marcação em um calendário encontrado na região da antiga Gália Cisalpina (norte da Itália) de uma festa dedicada à deusa gaulesa Epona, na época do Solstício de Inverno. No mais, em termos de evidências inequivocamente interpretadas pelos estudiosos, não há tantos relatos seguros sobre a observância de tal data pelo mundo céltico. O Calendário de Coligny marca duas datas no mês Riuri que geralmente são interpretadas como relativas à festas religiosas nas proximidades do Solstício de Inverno. Fora isso, o que há de fato, é o registro mitológico: tanto Pryderi/Mabon quanto Oengus nasceram nesta data. Sobrevivências do folclore dos atuais países “celtas” apontam várias práticas. Em termos insulares, temos o Montol na Cornualha, Lá an Dreoilín na Ilha de Man as práticas irlandesas relacionadas ao Meán Geimhridh e do Hogmanay escocês. Além do festival Meso-druidico (da época Romântica, sob influências maçônicas, digamos assim) do festival de Alban Arthan. Posteriormente associada ao festival galês associado ao nascimento de Prideri por Rhiannon (a associação entre a deusa galesa Rhiannon e a gaulesa Epona é evidente).
Já entre os germânicos no geral, tal data parece bastante relevante. O termo ‘yule’ (do germânico antigo “jul, joul, joulud’ geol”), além de todas as evidências e práticas atestadas do Midvinterblót (algo como “sacrifício-do-meio-do-inverno”, onde sacrifícios humanos eram feitos, inclusive de reis e soberanos, o regicídio ritual) pelo mundo escandinavo atestam a importância desta data. Entre os Germânicos “continentais”, a Modranicht ou Modresnach ou o ritual de Perchta, relacionado à deusa Herta (ou Bertha).
Entre os gregos, estava associada as Lenaias e Brumália, inclusive onde em tempos remotos os gregos celebraram sacrifícios humanos (posteriormente substituídos por um bode), e posteriormente (sob a influência Romana) às Khronia (lembremos a associação Crono – Saturno). Muitas são as associações com diversas culturas por todo o hemisfério norte, não só Indo-Europeias, basta ver as Orientais (Chinesas e Japonesas), por exemplo.
Nas Américas, temos o Inti Raymi dos Incas, em honra ao deus sol Inti. Celebrada inclusive em Machu Pichu, marcava o começo do ano através do “atamento” do sol. Entre os Maias era o período do Wayeb, um tempo de azar e perigo, onde as deidades andavam livres (a maneira do Samhain irlandês) para “aprontarem” à vontade. Entre os Mapuche do Chile, temos o We Tripantu, equivalente ao Inti Raymi, quando o Sol renova o ano fertilizando Pachamama.
Como já dissemos acima, do ponto de vista Indo-Europeu, esta é a época do “Natal”. Época de festas familiares e privadas, enfeite de casas, troca de presentes, manter uma sempre-verde (tradicionalmente um pinheiro, não é?) dentro de casa, etc. Me parece óbvio que tanto por motivos culturais como por sazonais (e se considerarmos identidade cultural como construção, as vezes a balança pesa mais para os sazonais) precisamos repensar umas coisas. Em todo caso, não me parece tão simples aceitarmos e repaganizarmos o São João, fingindo que estamos no verão ou que o verão que a festa supõe condiz perfeitamente com nosso inverno. Isto me parece antes, ignorar as subtilezas sazonais desta terra e aderir a uma espécie de opção globalizante irrefletida e insensível.
Apenas apontamos para um modesto e muito breve ponto associado a nossa herança no qual parece interessante refletirmos. Seria interessante transferirmos este imaginário (isso é possível?), ou uma parte dele, para o real Solstício de Verão (em Dezembro na época do Natal, quando faz um calor imenso e o mundo das caatingas esbranquiça – e vemos neve falsa e papais-noel com aquelas roupas polares nos convencendo de que temos que comprar presentes…)?