(23-08-2008) Breves reflexões sobre Identidade e Paganismo

Texto originalmente publicado no blog “Parahyba Pagã” em 23/08/2008. Mantivemos a redação original, caso hajam novos comentários estes aparecerão entre chaves [] no texto.

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[Este texto foi concebido como uma espécie de “diálogo” com outro texto do blog “PB Pagã” escrito por R. Leão intitulado “O Eurocentrismo no Paganismo Brasileiro”]

O conceito de ‘Identidade’ ao qual nos voltamos, não é o conceito lógico nem o conceito desenvolvido pela tradição filosófica da modernidade, por dois motivos simples: o primeiro é inadequado ao tema sobre o qual nos debruçamos e o segundo também o consideramo-lo como tal, por o identificarmos com um maior “grau” de subjetivismo e psicologismo, em geral, mais adequado à análises centradas exclusivamente em ‘sujeitos’ específicos. Nos voltaremos, pois, a um termo associado a seus usos em ciências sociais e antropologia, seguindo o pensador chileno Jorge Larraín (2001, p. 25). Evidentemente que não nos ateremos a descrições cientificamente rigorosas, nem a um labor digno de honrarias por sua profundidade e extensão; também não nos voltaremos a temas interessantíssimos como globalização, teorias e contra argumentos acerca de tais termos, etc. [É de lembrar que nesta época, mesmo politicamente, estava começando a se espalhar o que se identificaria como “Movimento Identitário” como força política e que não era o muito falado].

O que visamos, ao contrário, é uma breve e modesta especulação acerca de uma argumento relativamente simples, e sua possível relação com o paganismo contemporâneo, de maneira despretensiosa.

O termo ‘Identidade’ em português, possui origem latina: ‘idem’, traduzível por “o mesmo”, “a mesma”, “isso mesmo”, e o restante ‘-idade’ como contendo a ‘ideia’ de “qualidade”, de forma que teríamos algo como “a qualidade de ser o mesmo” ou “qualidade do mesmo”. Em termos mais sociais, tal ‘identidade’ é caracterizada por um conjunto de eventos e características compartilhados por uma série de indivíduos demarcados no espaço-tempo, tais como língua, maneiras de expressar-se, comportamentos, etc. Estes ‘eventos’, como ressalta o pensador chileno baseando-se em William James e muito, provavelmente, Charles S. Pierce, são essencialmente “aprendidos”, interiorizados de acordo com um contexto cultural específico (o grupo de referência no qual se está imerso), de forma que “identidade” sempre presuma “outros” (os que estão fora do grupo de referência), cujos quais se acentuam as diferenças visando uma definição mais clara. De forma simples, como se sabe na Lógica, ‘Identidade’ pressupõe ‘Diferença’.

Uma das primeiras “acentuações de diferença”, seguindo J. Larraín, é uma espécie de rebaixamento intelectual dos outros; geralmente considera-os ‘atrasados’, ‘inferiores’, inclusive em seus idiomas (talvez os gregos do período antigo, num geral, se adéquem bem como exemplo), como exemplifica na Meso-América com a linguagem náuatle, cujos falantes vitoriosos consideravam as línguas dos povos vencidos como inferior, rude. Isto acontece também, por exemplo, quando uma elite detentora do poder em uma determinada região, zomba do sotaque ou de costumes de outra região. Tal conceito de “identidade” rechaçada em sua publicidade, torna forçoso o embricamento entre identidade pessoal e coletiva. Talvez fossem inseparáveis, ou no mínimo inteligíveis de acordo com uma mútua pressuposição: uma é compreendida pressupondo-se a outra, ou outras; e são perpassadas por outras ‘identidades’ de maneira a formarem grupos complexos [hoje, eu considero que a ideia de “círculos” ou conjuntos concêntricos expressem melhor]. Em épocas de competições esportivas (talvez um substituto moderno para os sentimentos bélicos, apenas com a “peculiaridade” de não colaborar para a redução do alto nível populacional) a noção de identidade nacional é sempre apresentada pelas mídias de forma bastante clara. São enviadas mensagens que permitam um mútuo reconhecimento e identificação, as vezes reforçando supostas características comuns, ou sentimentos característicos da “raça”, do povo, evocando sentimentos de orgulho por feitos passados ou presentes.

Não visamos uma crítica de tal processo, até porque consideramos tais sentimentos salutares e adequados em certos contextos. O que atentamos é ao ‘substrato’, uma vez que consideramos razoável como J. Habermas (1989, p. 263) e J. Larraín (2001, p. 46) que a pergunta pela ‘identidade’, é muitas vezes, mais uma pergunta sobre o projeto do que se quer ser, e das características que devem permanecer ou serem adotadas para viabilizar tal projeto. Desde da perspectiva de autores que assumem ideologicamente “inimigos” (não raro, “Nacionalistas” ou gente que leve a Identidade em sentido político mais à sério) é bom deixar claro que enfocar tal aspecto é parte do interesse deles. Logo perguntar sobre a identidade “nordestina”, por exemplo, é perguntar também, sobre como deve ser tal ‘identidade’.

Se estes autores estiverem certos, achamos que tal característica é importante; não só por explicar certas características histórico-sociais e suas mudanças, mas justamente, por abrir um leque de disposição ao futuro. Se nos lembrarmos dos desenvolvimentos românticos na Europa e na América, suas extravagâncias, fraudes em prol de uma ‘identidade’ nacional e o seus implicações no imaginário popular, talvez percebamos que algumas coisas “funcionaram” [e também cabe lembrar que boa parte da “desconstrução” das Identidades fora motivada ideologicamente, como no caso do historiador comunista E. Hobsbawn contra certas tradições escocesas]. Mesmo que desloquemos nossos juízos morais de tal questão, ainda o ponto da questão não é esse. É justamente o da Identidade nacional.

Segundo a classificação de Darcy Ribeiro, paralelamente a de Elman Service, como bem mostrou o autor chileno em questão (LARRAÍN, 2001, p. 52), os brasileiros seriam tidos como “povos novos”, “mestiços”, que estão “desvinculados de una tradición cultural poderosa y antigua” (Ibid., p. 53). Este é o ponto. Como ressalta L. Zea (1942, p. 66) “un templo maya nos es tan ajeno y sin sentido como un templo hindú”, ou seja, “lo nuestro, lo propriamente americano, no está en la cultura precomlombiana”, assumir tal processo, é realizar uma investida etnocêntrica e romântica de falseamento e esforço para identificação com tais culturas (o caso do nosso primeiro esforço literário romântico), nosso processo de pensar, nossa maneira de articular nossos raciocínios é “europeia”, ou no mínimo, muito semelhante à ela.

Mesmo neste caso, acontece algo notável, nas palavras de L. Zea novamente (Ibid.) “ahora bien, frente a la Cultura Europea nos sucede algo raro, nos servimos de ella pero no la consideramos nuestra, nos sentimos imitadores de ella… no la sentimos nuestra… nos sentimos igual al que se pone un traje que nos es suyo, los sentimos grande” e muitas vezes isto segue acompanhado do sentimento de que ser americano é, talvez mais precisamente sul-americano, uma espécie de “desgraça”, uma vez que não somos europeus, nem índios, nem africanos. E no caso do ibero-americano, também seguindo o mexicano L. Zea (Ibid., 68), ainda há uma espécie de sentimento de inferioridade diante do norte-americano, que conseguiu impressionar o europeu e forjar uma identidade “cambiante” em suas bases, mas notável em sua impressionabilidade.

Talvez coubesse perguntar: que sentido tem uma ‘identidade brasileira’? Afirmar a existência de tais entidades, como também considera L. Zea (Ibid. 72) é incorrer em um nacionalismo ingênuo. Isto presume uma espécie de elo unificador ‘polidimensional’, vários eventos que ligam indivíduos ao longo do extenso território nacional coroados com um passado heroicamente unificado e homogêneo. Acreditamos ter sido este ‘problema’ já muito bem visto desde as críticas a certos processos na literatura romântica, até coisas como “Macunaíma” ou “Triste fim de Policarpo Quaresma”. Por mais que, pessoalmente, não acredite em uma “identidade nacional”, pelos menos nos moldes em que muitas vezes são moldadas, acho esta questão muito ampla e discutível, por isto, mantendo certa abertura.

A ‘identidade nacional’ não está dada, é antes, um projeto um tanto cambiante. Nestas circunstâncias, prefiro antes acreditar em uma identidade “Nordestina”, assim como em uma “Pantaneira”, uma “Gaucha”, etc. Estas me parecem, de fato, orgânicas. Acredito, em um primeiro momento, que um conceito de ‘identidade’ nos moldes já traçados acima (como construção, tendo por base as regionais), seja mais adequado a tais manifestações. Evidentemente não sou antropólogo altamente experiente e conceituado a cuja palavra se atribua autoridade nestas questões.

Por isso, partamos de duas premissas básicas que não encerram muito: 1) O conceito de ‘identidade’, de um ponto de vista social, abrange manifestações complexas e inter-relacionadas e 2) que tal aplicabilidade do conceito às manifestações nacionais ibero-americanas consideradas sob o prisma da classificação de Darcy Ribeiro como “povos novos” num geral, comparadas às europeias, por sua vez é uma questão complexa e problemática envolvendo diversos pressupostos ideológicos, além de políticos, que nos faz preferir entender as identidades como construções [hoje não diria que vale a pena se ater a esta ideia de “construções” – esta palavra dá a entender que há uma razão consciente guiando o processo desde o presente, coisa que não acho que seja o caso – , mas que são “heranças” e manifestações de uma presença dos antepassados, no sentido que chestertoniano da “democracia dos mortos”]. E talvez aqui coubesse a pergunta: e o que é que o neopaganismo tem haver com isso?

Se realizarmos um ‘recorte’ provisório sob determinados aspectos, talvez o paganismo tenha algo haver com isso.

Muitos grupos, nomeadamente os europeus, tem estipulado uma relação, que consideraríamos como natural, entre o reavivamento, “reconstrução” de religiões específicas e o nacionalismo [na verdade, o “Identitarismo”]. Isto geralmente é expresso em termos como “deuses nacionais” e é contraposto ao ‘outro’, o deus semita judaico-cristão (ou mesmo os outros deuses de etnias/povos diferentes). De maneira natural também, assim como moralmente justificável em contextos pagãos, são acentuadas as diferenças, realçadas as qualidades do “panteão nacional” e muitas vezes, depreciadas a do ‘outro’. Isto não só no campo religioso, o ‘outro’ passa a ser a projeção de anti-valores, marginalidade, etc. de modo a aumentar o máximo possível o fosso entre o ‘nós’ e o ‘outro’ [eu diria que há um exagero cá, na época que escrevi, não estava tão bem informado e creio ter internalizado algo da propaganda midiática, de fato, é extremamente raro, na verdade, nunca vi, uma “depreciação” de outros deuses por parte de politeístas étnicos].

Como ressaltados antes, compreendemos este processo como natural na medida em que nos parece historicamente verificável que em um processo de formação de ‘identidade’ isto ocorra; neste caso acentuadamente no âmbito religioso, tais ‘rupturas’ e contextualizações ideológicas também acontecem, basta recuarmos ao Romantismo para ver claramente (inclusive, quando a ideia de “Nação” moderna surge de fato). Mas haverá quem, talvez com as “melhores” das intenções, nos dirá que é só recuarmos aos nossos antepassados míticos e forçarmos a barra para vê-los como tendo nossos valores, preconceitos e forma de pensar, fazendo uma casamento ideal (preferencialmente ignorando nuances históricos contrários e anacronismos) entre nós e eles. Este modelo fácil é frágil [é justamente o que abre as frestas para os ataques dos inimigos de todos os povos e de todas as Tradições, como certos intelectuais globalistas comunistas e/ou liberais].

E principalmente nos parece natural diante do quadro atual da globalização, da “falência” do sistema religioso católico (e de certa forma, do cristão em geral). É moralmente justificável, em um contexto pagão, em partes, pelo não pressuposto de “modéstia servil”, ou “não-agressão” – não precisamos “amar o outro” (precisamos, e isto é uma regra de hospitalidade Indo-europeia, o tratar bem); principalmente quando se entende que se foi “agredido” por ele. Se considerarmos isto como um momento ‘comum’ historicamente em tais processos, não identificaríamos sérios problemas, principalmente quando aceitamos os pressupostos de liberdade religiosa e de pensamento.

Mas quando atravessamos o Atlântico, assim nos parece, este processo de “nacionalização”, que muitas vezes também tem certos aspectos políticos, se mostra complicado, principalmente se aceitarmos o quão problemático é a ideia de “Identidade Brasileira”. Não temos UM grupo de Antepassados Míticos; temos vários, e o pior: não são todos nós que temos os mesmos “Vários”, cada um tem seus “vários” (o que faz com que haja vários “vários”!). Se cairmos em um “nacionalismo” ingênuo, ao menos que se tenha conhecidamente ancestralidade indígena, ou no mínimo traços físicos que suponham tal, nos parece “forçado”, para não utilizarmos o termo “assaz artificial”, adotarmos um panteão e maneiras de viver e pensar (o que é o mais difícil) indígenas (mesmo que se tenha a sorte de descender/estar próximo de uma cultura que não tenha sido deturpada bruscamente pelos cristianismo). Evidentemente, pelos motivos que nos levam a questionar o “indigenismo” como o reduto de nossa ‘identidade’ e não uma espécie de imposição etnocêntrica e desrespeitosa às nações indígenas reduzidas a minorias, pois não somos ‘índios’, e querer sê-lo é diferente de o ser de fato. O mesmo talvez fosse aplicado às matrizes Africanas.

Consideramos que o “branco” comum, deslocado de sua ancestralidade, assim como o “mestiço” comum, estão muito mais ‘deslocados’ em termos de identidade do que os descendentes de minorias indígenas ou africanas. Estes, pela condição histórica, sentem sua “etnicidade” mais palpavelmente. Isto me parece explicado por nuances históricos: acreditamos que a “ruptura”, em prol da formação da nova nação, com Portugal, no nosso caso, foi internalizada no imaginário popular de forma muito duradoura. Acreditamos cegamente que somos outro “povo”, que temos outras expressões, somos completamente diferentes, como se não descendêssemos da mesma leva – acrescida aqui, de mais alguns ingredientes – mesmo quando lemos obras como ‘Raízes do Brasil’ de S. B. de Hollanda ou as obras de J. L. de Vasconcelos onde é realçado certo caráter “mestiço” da população portuguesa (apesar de “matrizes” diferentes – em Portugal, berbere+ibéricos+celtas+romanos+suevos/visigodos+um pouco de árabes e judeus), e nos voltamos exclusivamente a valorização das culturas indígenas e africanas, tornando nossa esquecida herança portuguesa motivos de piada e chacotas. Me volto mais ao Nordeste, claro, onde a herança europeia mais presente, apesar de não ser a única, é a portuguesa (nortenha) e galega.

Antes que alguém venha citar genes: e a população do nordeste, geneticamente falando? Os estudos ainda são iniciais mas já mostram dados curiosos. Vejam esta matéria na Folha Online comentando um estudo recém divulgado, além de diversos outros estudos publicados em revistas em inglês. Citando, há (clique para ver a tabela), quem nos diga que a porcentagem de sangue europeu no Nordeste (cerca de 74%) é a terceira do país (no Sul 82% e no Sudeste 77%), há quem afirme que seja 67% (GODINHO, Neide M. O. O impacto das migrações na constituição genética de populações latino-americanas. Tese de doutoramento, UNB, 2008. p. 36) [de lá pra cá, outras pesquisas apareceram mostrando porcentagens diversas]. Em todo caso, o fato [que talvez desagrade e desmonte muitas narrativas “mainstream“]: geneticamente o Nordeste é mais europeu que africano e indígena juntos, em qualquer um dos estudos.

Afinal, se o processo de valorização histórica nacional, mesmo em um nível de mitologização, é um suporte para uma legitimação do resgate de crenças antigas e maneiras de ver e lhe dar com o mundo (principalmente diante dos problemas ambientais), nos parece obscuro em que a ‘identidade’ “nacional” do paganismo há de ser. Obscuro se continuarmos considerando as coisas como estão sendo consideradas. Nossa nacionalidade é recente e étnica e culturalmente complexa.

Acreditamos em algumas possibilidades para rever isto. Eis: 1) as religiões surgidas no Brasil, seriam modelos. 2) Resgatemos e assumimos por completo nosso passado, isto inclui a valorização de nossa herança europeia – sem traumas ou complexos de culpa – o que para, nós nordestinos, se refere [majoritariamente] à herança ibérica. 3) Simplesmente abandonamos este projeto, por que afinal de contas, somos preguiçosos e não gostamos de pensar e tal, por isso talvez seja melhor pegar tudo “prontinho” em religiões “anti-étnicas”.

O 1) é interessante: as religiões pagãs “nascidas” aqui, mas com raízes grossas fora daqui, geralmente possuem um caráter mais sincrético [sendo culturalmente coerentes com a questão genética]. O Catimbó, Candomblé, os Cultos-da-Jurema, a Umbanda, o Tambor de Minas, etc. Apesar de terem um distintivo “africano” (que traz consigo toda uma carga socialmente negativa, dado o preconceito cultural geral), são ótimos exemplos de um ‘substrato’ ancestral vinculado por uma tradição poderosíssima e antiga, que por modelagem de eventos históricos sincretizou-se e “ecletizou-se” em prol de sua “sobrevivência”, ou melhor, ressurgiram como algo “novo”. São muito mais Pagãs do que muita revistinha de Wicca que há por aí em banca de revista. Talvez um nacionalista ‘brasileiro’ acredite que sejam estas religiões ” genuinamente brasileiras”, as adequadas, e por isso que todos nós devamos nos “converter” a elas.

Diríamos que é possível que sim, mas que uma escolha pressuporia a adotação de certas teorias, além da valorização do elemento herdado da Africa e um pouco do indígena como redutos de nossa ‘identidade’. Cabe perguntar o porque seria este elemento eleito e obliterador dos outros. Por que deveríamos preferi-lo, desde quando ele é mais “nacional” que outros? Para as minorias atadas geneticamente, que se sentem injustiçadas socialmente pelo processo histórico de dominação europeu [quilombolas, a comunidade Negra, etc.], a preferência é óbvia. Mas para nós?

2) Este é o ponto que defendo, ou pelo menos o que considero mais razoável. Principalmente por concordar com a problemática da ‘identidade’ e com o seu caráter “formador” na perspectiva de um futuro hipotético. Concordo com L. Zea, se é que o entendi bem, quando este nos diz “el mal está en que queremos adaptar la circunstancia americana a una concepción del mundo que herdamos de Europa, y no adapter esta concepción del mundo a la circunstancia americana” (ibid., p. 70) [hoje não vejo desta forma]. Talvez este seja o ponto mór quando ‘intuímos’ que os ciclos mitológicos indo-europeus que relacionam a “descida ao submundo” com o inverno, e todas relações estabelecidas entre fertilidade-primavera-verão nos parecem um pouco diferentes aos ciclos sazonais no Nordeste, por exemplo (talvez no Sul seja bem mais adequado). E talvez este seja uma das premissas-chave de grande parte de nossos esforços e contribuições.

O resgate de nosso passado, e o reconhecimento do quanto temos nos utilizado da Europa, das maneiras de se vestir, comer, se comportar, calendário, simbolismo cotidiano, etc. e que está em nós, aqui e agora, nos parece um processo de “maturação”, aliado ao reconhecimento de nossas heranças diversas. Talvez alguém proponha (como penso que muitos autores famosos propuseram) que nossa ‘identidade’ está justamente nisto. Em todo caso, nos parece de importante amenizar a “aversão” à Portugal que ronda algumas manifestações presentes em nosso imaginário. Creio que isto também possua muito de “sentimental”, do sentimento de “identificação”, “pertencimento” e reconhecimento. Que fique claro nosso propósito de livre especulação, não nos propomos a “propaganda”, ou algo similar [hoje, considero claramente que temos sim uma base filosoficamente forte para advogar nossa herança integral como povos “iberogênicos”: celto-romano-suevo com um leve toque mourisco, mas leve, muito mais leve do que se propaga – pelo menos no Nordeste – mais do que qualquer outra coisa].

Penso que um desenvolvimento mais aperfeiçoado deste ponto, nos conduzisse a uma espécie de “simbiose” com o ponto 1), onde nos questionaríamos se haveria igual legitimação em religiões com grossas raízes fora daqui, como o druidismo, ou religio romana, RCs, etc. [o “Iberoceltismo” é justamente este reconstrucionismo hispano-céltico pivô profundo e religiosamente radical – no sentido de “raiz” – de nossa mirada metafísica]. Me parece ser claramente justificável, além de que em alguns casos, como nas religiões célticas, ortoprático (sendo os celtas antigos povos dados a migração, onde chegavam traziam consigo seus deuses e culturas, mas também incorporavam diretamente os deuses locais aos seus cultos, os cultuavam e os respeitavam à suas maneiras) – uma sincronização entre maneiras de pensar Indo-europeias com nosso ambiente.

Há quem caia numa espécie de “puritanismo” por não entender isto, mas por adequadamente se opor a um sistemático e abusivo sincretismo destruidor (a salada mística “New Age”). Ou por ranço internalizado considere que seja um “europeísmo” elitista [seria muito estranho alguém que se incomode pensando assim, se ver numa religião Indo-europeia!]. O Druidismo, os Reconstrucionismos, a Wicca [? hoje tenho minhas dúvidas, dado o forte componente ocultista-cabalista presente em certas origens deste Neopaganismo], Hinduísmo, como até o Zoroastrismo são isto: Religiões de Matriz Indo-Europeia. Como o Candomblé e outras, o são de Matriz Africana. E como para eles não há problemas no resgate da tradição étnica e postura identitária, por que deve haver para nós? [hoje, não diria “Matriz” IE para as religiões étnicas tradicionais, creio que tal conceito de “Matriz” seja adequado, assim como nas de Matriz-Afro, para as que nasceram ou estão fora de sua geografia sagrada original, o que é o caso do Candomblé, por exemplo, seria nosso caso se o Iberoceltismo fosse algo unicamente “brasileiro”, o que não é o caso].

Mas como tentei antes salientar, esta [abordagem] me parece mais adequada considerando as ‘identidades’ regionais. Não só as vejo como menos “problemáticas”, como mais “reais”, verdadeiras ontologicamente. Grande parte do conceito de “identidade nacional” ‘divulgado’ no exterior, nos parece muito mais um retrato do centro-oeste e mais especificamento dos centros cosmopolitas de poder: RJ e SP. O samba, a mulata dançando, a bossa nova, não me lembra em nada a corrida de um vaqueiro vestido de couro, passando pelas juremas no calço de um mourão ou mesmo um coco brejeiro. Talvez o grandíssimo repentista e poeta Ivanildo Villa Nova tenha razão ao nos pedir “imagine o Brasil ser dividido, e o Nordeste ficar independente”, mas esta é outra história [viagem discursiva desnecessária: bastava enfatizar a organicidade e prioridade ôntica das Identidades regionais].

Argumento:
a) Se há alguma relação entre ‘paganismo’ e ‘nacionalismo’, tem se apresentado como uma relação de ‘justificação’ ou ‘suporte ideológico’.
b) Por sua vez esta ‘justificação’ ou ‘suporte ideológico’ faz mais sentido, se e somente se, houver um conceito de Identidade Nacional bem estabelecido.
c) Ora, o Brasil não possui um conceito de Identidade Nacional bem estabelecido.
d) Se algo não faz tanto sentido, então há motivos para o revermos.
e) Logo, se a relação que tem se apresentado como de ‘justificação’ ou ‘suporte ideológico’ e não faz tanto sentido, há motivos para revê-la.

[Este argumento diz respeito a uma visão ampla de “Nacionalismo”, pensando na adequação harmônica da língua nacional, a cultura nacional, a composição étnica nacional e a “religião nacional” em um sentido de identidade Integral; bem, no caso específico da religião, o que historicamente há no Brasil por parte dos nacionalistas – e de monarquistas, em especial – é a reivindicação do Catolicismo como elemento de unificação nacional, como “religião nacional”; coincidente com um “nacionalismo” amplo, imperial. O que fizemos aí foi problematizar este Nacionalismo amplo; no entanto, hoje reconhecemos que, religiosamente, um tal Nacionalismo “Imperial” poderia ter um embasamento religioso Indo-europeu aos moldes do Império romano, ou seja, não seria somente o “Catolicismo” que poderia embasá-lo, e se considerarmos a visão de Julius Evola em “Imperialismo Pagão”, somente uma religião Indo-europeia forneceria o necessário para um Império nos moldes grandiosos da Antiguidade].

Cabe ressaltar que grande parte de nossa argumentação faz sentido se adotarmos a premissa de que há algum sentido em uma relação entre “regionalismo”, e num sentido maior “nacionalismo”, com o paganismo. Seja num sentido de justificação, seja no de um “suporte ideológico”. E é óbvio que isto pode ser ignorado, pois a ideia de uma abordagem à religião “global” ou “universalizante” não é pura prerrogativa cristã, como qualquer harekrishna pode atestar [na verdade, as abordagens filosóficas, como o Neoplatonismo e o Estoicismo, são ferramentais teóricos universalizantes dentro do escopo das religiões Indo-europeias].

Caso esta premissa não seja aceita, então há de se desconsiderar grande parte de nossas especulações. Assim como a premissa c): ora, por mais que haja pensadores e sociólogos que acreditem em sua invalidez, a existência de um número qualquer de outros pensadores e sociólogos que pensem o contrário, já seria suficiente para, no mínimo, dizermos que a proposição é discutível (sem contar os exemplos de ‘não-pertencimento’ ou ‘identificação’ oriundos de indivíduos diversos de diversas regiões em relação a tal “identidade”), e isto é o suficiente para termos que tal conceito de identidade “Não é bem estabelecido”, e portanto validarmos a premissa.

Talvez alguém diga que isto é um eurocentrismo e tal. Não sei, mas me parece que se o for, será um justificado, ou melhor, um reconhecimento de que isto também é parte de nós [na verdade, parte essencial e fundacional de nós!]. Se não for mais parte de nós que qualquer outra coisa. Em todo caso, terminamos reafirmando nossa propensão ao regionalismo [Identitarismo] como algo mais adequado que o nacionalismo [esta afirmação é problemática sob diversos ângulos, mas no geral, hoje eu consideraria que, em país de dimensões continentais como o nosso, não é toda religião Indo-europeia que claramente aponta para uma visão política de grandes espaços – historicamente, Gregos e Romanos, foram os que a religião e política espalhou-se “universalmente” numa dinâmica própria de diálogo com as religiões de outros povos, dentro destes grandes espaços – o Império de Alexandre e o Romano. Diria que é mais difícil “pensar imperialmente” sob uma perspectiva céltica ou germânica, por exemplo]. E dizendo, que daí não derivam necessariamente consequências políticas de xenofobia no sentido que a Grande Mídia usa. Derivar uma visão política moderna daqui não é o ponto e está longe de ser facilmente derivado [de modo religiosamente coerente, já que a noção de Estado moderno traz consigo certa laicização e separação de esferas que não existia na pré-modernidade, mas que já começara a ser introduzida teoricamente pelos cristãos como Agostinho de Hipona, com a noção das Duas Cidades].

FONTES:

HABERMAS, Jürgen. The limits of Neo-Historicism. In HABERMAS, J. Autonomy and solidarity. London: Verso, 1992.
LARRAÍN, Jorge. Identidad Chilena. Santiago: LOM, 2001.
ZEA, Leopoldo. En torno a una filosofía americana. In Cuadernos Americanos 3. México: Universiad Autónoma, 1942. 63-78.

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