(11-03-2015) Imaginar a continuidade do diferente para chegar ao resultado do igual

Texto originalmente publicado no blog “Ígnea Falcata” em 11/03/2015. Mantivemos a redação original, caso hajam novos comentários estes aparecerão entre chaves [] no texto.

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Este texto fora motivado por recentes [o texto é do início de 2015] percepções dentro de um referencial Céltico, mas creio que seja útil para outros referenciais reconstrucionistas também.

Que a Deusa da Aurora ilumine com seus raios santos nossas mentes e nossos corpos.

É comum entre os RCs (Reconstrucionistas Célticos) dizerem “nossa religião é sobre o estado das coisas como se houvesse sobrevivido até nossos dias, como se não houvesse ruptura”. Este é um raciocínio que me parece acertado metodologicamente. No entanto, muitos ao dizerem isto ignoram (seja por real ignorância ou por preguiça) o peso do Cristianismo, e de sua influência nos valores laicos no Modernismo/Iluminismo que reverberam até hoje forjando os valores dos nossos dias.

Neste caso, em especial os americanos, imaginam um RC cripto-liberal [e “esquerdista”], ou seja, modernista – que abraça cegamente (é diferente de abraçar após revisar criticamente) como “avanço”, “desenvolvimento natural dos tempos” e “progresso”, os pressupostos ideológicos do “desencanto do mundo”, do Humanismo e Egoísmo Modernos, a ideologia dos Direitos Humanos, do Materialismo e dos pressupostos da democracia laica liberal/moderna.

Os precursores (e convenhamos, são norte-americanos) são importantes por isto, pelo trabalho pioneiro. No entanto, isto não quer dizer que tenhamos que copiá-los cegamente em tudo, principalmente quando vemos gente do meio RC nacional se basear – sem saber, ou sabendo – nestes pressupostos modernistas dos norte-americanos como justificação para imitarmos ou apoiarmos certas conclusões. As mudanças do tempo, não significam que não haja pilares perenes, imutáveis; ou pelo menos, que não hajam certos padrões imutáveis. E nisto é que a influência cristã se esconde – enganados pelo pressuposto de uma ‘rigidez petrificada em livro das religiões abraâmicas’ versus ‘uma suposta ausência de rigidez das religiões tradicionais’ – os sujeitos creem que toda rigidez ou noção de perenidade/imutabilidade é, automaticamente, sinônimo de abraamismo, e nisto tentam justificar a cega aceitação do Modernismo, como sendo uma espécie de consequência lógica e movimento justificado pela Tradição (pelo esquema conceitual Indo-Europeu).

O problema deste pressuposto é de reduzir e simplificar a diferença entre as tradições religiosas abraâmicas e as demais a um suposto apego a uma concepção de doutrina imutável. É um simplismo tosco. Por mais que não hajam “bíblias”, ou “torás” ou “corãos” para os demais povos, isto não quer dizer que não creiam nem tenham em suas bases religiosas princípios vistos como perenes/imutáveis/imorredouros. Só diz que não sentiram a necessidade de registrá-los em livro, seja por acreditarem que não era necessário (uma vez que estão dispostos na Natureza), ou por considerá-los demasiadamente santos, etc.

Imaginar como seria se a continuidade não fosse rompida, não significa chegar exatamente às mesmas conclusões morais e políticas do Humanismo Moderno Ateísta, fruto do cristianismo laicizado e da especificidade histórica do ocidente católico. O exemplo óbvio da continuidade Indo-Europeia não rompida é a Índia – a Índia do séc. XIX (antes de ser contagiada pelo ocidente moderno) é um bom exemplo, um real, não um imaginário – e que demonstra claramente as diversas modificações e desdobramentos históricos (em termos de concepções filosóficas e movimentos religiosos e/ou reformistas), mas a manutenção, grosso modo, de pilares metafísicos perenes.

Talvez, o cripto-liberal-esquerdismo destes sujeitos simplesmente repita o padrão judaico de “historicização” do mito (Vöegelin, Eliade) e os faz crer, lá no fundo, que o “que passou, passou”. Não percebem a obviedade de que as religiões Indo-Europeias tem de ver com a a atualização do tempo mítico, de uma afirmação a-temporal de certos valores e bases transcendentes.

Daí que quando o nó aperta, o que vemos são os sujeitos mostrando que, no fundo, são materialistas históricos, descrentes nas estruturas metafísicas tradicionais, simples humanistas “nerds” com fetiches medievalistas e com hábitos “estranhos”. Os mitos são mera “literatura”, poesia, “símbolos” e certas crenças tradicionais são escondidas, trancados no armário, pois levá-las à sério hoje em dia – em pleno séc. XXI (como se isto significasse alguma coisa para quem não põe fé num tempo linear e progressista) – envergonha a tão importante fama de inteligente, “descolado com consciência social”, etc.

Nossos ancestrais célticos, em se tratando de política, por exemplo, viam que o poder legítimo possui uma clara origem divina. Por que devemos deixar esta visão de lado? Será que ela não se fundamenta em um destes pilares perenes, conectados a própria existência e fé nos deuses enquanto poderes reais? Quando um evangélico nos diz que o poder político emana de Deus, devemos discordar dele se com isto quer dizer que somente o deus de Israel, que ele supõe como sendo único, é a origem de todo o poder político sobre a face da Terra; mas se, por outro lado, ele quer dizer com isso que o poder político legítimo possui origem transcendente, não vejo como, por exemplo, esta afirmação seria negada por um druida antigo.

Claro, um evangélico muito dificilmente falaria algo assim neste segundo sentido, realmente, mas consideremos esta possibilidade. Para nós, esta fonte transcendente (do exemplo acima) se imanentiza na Terra local e requer que o líder político, o governante, una-se, “case-se” com ela para obter a legitimidade/sanção que seu governo necessita para que tenha êxito. Do contrário, sem tal “graça”, sem tal procedimento, todo êxito do governante será enganoso e sem sua Verdade (fír flaithmon) a Soberania (deificada) o desprezará, o caos se insurgirá, a ordem cósmica (transcendente) enfraquecerá e até as colheitas e o solo sofrerão… E claro, nossos Ancestrais sabiam que o governante, sendo o pico de um monte, uma ponte, mesmo que não queira, concentra em si o mais alto grau de responsabilidade (conclusão parecida, mas desenvolvida filosoficamente de modo diverso se acha no “Princípio Responsabilidade” de Hans Jonas), sendo seu dever sagrado, ceder seu posto quando de uma crise, quando não encarar o sacrifício (o regicídio) e restaurar com seu sangue as condições para o restabelecimento da ordem cósmica para os seus.

Isto não era compreendido assim à toa, como mero fruto sórdido da imaginação de nossos antepassados, tal posição reflete (pelo menos, se cria e se pode crer hoje) luzes atemporais e se fazia sentido antes, pode fazer hoje também. Sim, leram bem, “pode”. Se deve ou não, podemos discutir, mas a possibilidade do “pode” é incontornável. O chato é ver gente nossa que abre a boca para dizer que compactua e crê nestes princípios tradicionais (e nos deuses dos quais emanam ou os quais “encarnam”, dependendo do ponto de vista), quando deparado com uma crise política em seu país, defender muito rapidamente e sem qualquer mostra de escrúpulos o imobilismo tosco (culpando o “sistema” e retirando qualquer possibilidade ao governante do país, no final das contas apoiando sua permanência decadente e anti-natural) ou berrar contra um religioso que diz – sendo coerente com os preceitos da fé dele (com a qual não somos obrigados a concordar, claro) – que o poder deve originar-se em Deus ou algo assim. Como se nossos princípios religiosos não possuíssem consequências políticas que, aos olhos do “humanista-ateu-moderno-iluminado-dos-últimos-dias”, fossem condenáveis como “superstição cruel”, “retrógrada” e “bárbara”…

Se abre a boca soberbo para falar de estamento social na Antiguidade, de funções, importância das linhagens e o escambau, e quando o nó aperta, toma como certeza absoluta indiscutível as ficções modernistas de “poder popular”, “rompimento da linhagem” ou aquela rousseauniana de que o “povão”, o “populacho”, é essencialmente sempre bom e infalível, ou de que certos movimentos sociais instrumentalizados por ideologias revolucionárias possuem alguma legitimidade por se dizerem “populares” ou “representante dos desfavorecidos”… Eu não consigo ver tais coisas e permanecer “calado”, e tento, por vezes bem mais do que deveria, e é por isto que escrevo este texto. Os apressados, tenham calma, não estou advogando que devamos todos nós, no momento político acirrado (e até perigoso) armar um “regicídio” (se algo deste tipo acontecesse, convenhamos, talvez só beneficiasse o PT que até transformaria a presidente [na época em que o texto foi escrito, Dilma] em Santa Imaculada e embalsamaria seu corpo e o deixava exposto ad saecula saeculorum) e coisa do tipo. Meu intuito é muito mais chamar atenção para a consistência interna e para as possibilidades abertas que os pensadores e líderes genuínos (os não-genuínos nem sempre são problema, a Natureza, cedo ou tarde, os descartará) não podem negligenciar.

Bem, mas, voltando, o realmente importante é que não temos de simplesmente copiar os norte-americanos e colocar isto como a única possibilidade, ou como a possibilidade certa e válida. O medo de soar “radical”, “fundamentalista” é perfeitamente compreensível quando os abraâmicos nos dão amostras diárias da ruindade que isto pode ser; mas isto não significa que temos de ser humanistas ateístas moderninhos [cordeirinhos] (muito comportadamente agradando os “bem pensantes”, hã?!) e ainda por cima fingirmos que estamos fazendo, exatamente, como seria se a continuidade histórica não tivesse sido rompida.

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