O Fogo do Lar – Um Meio de Ascese Feminina

No início do ano passado, em 22 de Março, escrevi uma postagem curta da página no FB, e fazendo uma revisão no conteúdo, percebi que o texto estava sumindo. Depois de um ano de iniciado o processo que me levou a estas reflexões e à inserção delas na prática da Guarda da Chama de Brigid/Brigantia/Brigindu, e obtendo como resultado um relevante aperfeiçoamento pessoal, resolvi divulgá-la um pouco mais por aqui.

Trata-se de uma percepção da mulher dona de casa, dentro do Politeísmo Celta como pilar energético do lar, e pilar afetivo e educativo da família, e de uma forma de desenvolvimento desta concepção através da prática espiritual junto ao fogo, que deixo aqui como proposta. Por ser uma prática tradicionalmente feminina, me dirijo às mulheres no texto, mas acredito ser também viável para homens que, porventura, sejam os cuidadores do lar.

Na antiguidade céltica o fogo estava no centro da casa, também como um pilar, sustentando-a com seu calor, energia, e suas propriedades de cozer o alimento e ser um ponto de contato entre o lar dos mortais e o dos entes sagrados. Não temos nenhum registro de altares domésticos entre Celtas, motivo pelo qual muitos reconstrucionistas optam por não tê-los. Suponho que isso se dê porque o fogo central por si só, fosse o ponto sagrado do lar, de comunhão com os Outros-mundos, e aonde as ofertas aos deuses, ancestrais e espíritos protetores eram feitas.

Na sociedade céltica, o fogo do lar era mantido pela mulher, naturalmente, uma vez que era uma sociedade tradicional e que depositava na figura feminina os cuidados domésticos e com a família. Não à tôa, a divindade que estava ligada ao fogo é feminina. Brigid é uma deusa do fogo das forjas, mas também do fogo do lar. É celebrada no meio do inverno, em Imbolc/Ambiuolcia, quando as provisões se aproximam do fim, quando o calor do fogo é mais necessário e a lactação das ovelhas tem início. Ela é também uma deusa do leite bovino e protetora dos partos, segundo o folclore gaélico.

Por tudo isto e ainda por sua ligação com a saúde, Brigid é uma deusa dentre as demais, mais próxima dos papéis tradicionalmente femininos: a maternidade, a nutrição, o calor e alento do lar. Ainda hoje celebra-se esta deusa, inclusive na forma de santa, através da Guarda da Chama de Brigid, costume que chegou aos nossos dias preservado pelo Cristianismo. A guarda de Brigid é feita com maior amplitude nas noites de Imbolc, mas muitos grupos de devotos cristãos e politeístas celtas o fazem periodicamente trocando a chama entre si ao longo do ano.

A mulher que, como Brigid, mantém o fogo, consolida o lar. Com seus pensamentos, emoções e sentimentos, ela interfere na energia que ali se faz e para toda a família se irradia. Ainda que o fogo não esteja mais no centro da casa, e nem aceso intermitentemente, a energia gerada nele permanece entre as paredes daquela casa e na dona de casa, e a dela nele. É ainda a dona de casa quem passa a maior parte do tempo entre aquelas paredes, é ainda ela quem purifica e sana, quem alimenta e sustenta. Essa noção permanece em nosso subconsciente e nossa cultura.

Por isso, quando a mulher está com seu campo energético fraco, logo o lar também estará. Quando a mulher está triste ou doente, desmotivada ou desprezada, também a energia do lar estará prejudicada. A energia da mulher se irradia pelos cômodos, pelo alimento, pelo ar, e interfere no bem estar de toda a família. Uma família cuja dona de casa está mal, tende a ir mal. Uma família cuja dona de casa está em equilíbrio, tem mais chances de prosperar.

Dawn of Hope by Daniel F Gerhartz

Dawn of Hope, de Daniel F. Gerhartz.

É importante que a dona de casa, ou que quem se ocupa das funções do lar por mais tempo, tenha consciência disso. É preciso policiar os pensamentos, principalmente nas fases conturbadas da vida, quando houverem preocupações ou atritos em excesso. Manter um padrão de pensamentos que gerem emoções ruins acaba por reverberar para fora do corpo e expandir-se por todo o lar. Por isso a mulher do lar precisa ter em mente a sua importância para os demais membros e, devido a esta importância, priorizar o cuidado consigo mesma, para estar sempre forte e apta a se doar aos demais.

Infelizmente, na prática muitas de nós acabam fazendo o inverso, colocam todos os outros, em especial as crianças, à sua frente, e acabam se negligenciando ou estando demasiadamente cansadas para dedicar um tempo de qualidade a si mesmas. Isso é perigoso, a negligência para consigo mesma pode gerar desequilíbrios, a mulher começa a ficar irritadiça, deprimida, e daí para acostumar-se a padrões de pensamentos pessimistas e vir a desequilibrar todo o lar, é um passo bem curto.

Mesmo as pessoas que não guardam a chama de Brigid podem, ao acender o fogo, ao cozer os alimentos, ao limpar o lar, lembrar-se que o estado de espírito delas ficará impresso ali. É preciso cuidar-se sempre, cuidar antes de si mesma, para estar apta a cuidar de toda a família. E quando precisar se auto sacrificar pelos demais, nas fases em que eles necessitarem, estar em condições de fazê-lo sem sucumbir.

Ore, acalente e transmita amor ao fogo, tendo em mente que este é uma manifestação do espírito do lar e da família. Sacralize-se, sacralize seu lar e o fogo nele, e celebre-se como a tudo mais o que é sagrado e merece seu apreço. Aos poucos um espírito forte e harmonioso vai se criar e unir todos a sua volta, formando uma família em equilíbrio, influenciada por este espírito de prosperidade que emana de você.

A proposta é essa, assumir a responsabilidade e construir a sua volta um pilar energético para as pessoas amadas, tornando-se também este pilar, através destas práticas diárias: sacralização e policiamento dos pensamentos e das emoções durante a limpeza, o cozimento, e ao cuidar de si mesma e guardar a chama de Brigid. Esta é uma forma para mulheres que encontrei de buscar a excelência na vida cotidiana e a ascese espiritual, e que aqui compartilho com os demais politeístas celtas.

Contudo, deixo um aviso, pode parecer óbvio, mas é bom deixar claro: não se veja tão sagrada quanto uma deusa ou santa, você é mortal, vai fraquejar às vezes, vai cometer erros e ter altos e baixos. Mantenha a humildade, não se exija demais, para não desistir quando as crises vierem. Aguente os períodos de baixa com confiança e valendo-se da energia que já tiver sido gerada, e tenha como meta o aperfeiçoamento constante.

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