É uma época diferente, esta que vivemos. É como se desse para sentir no ar. Há uma tensão, uma espécie de “grito” silencioso, uma espécie de calmaria antes da tempestade. O quadro geopolítico maior, o quadro da grande política nacional, a grande tensão nos ambientes sociais (e principalmente, virtuais) oriunda da polarização política acirrada, o arrodeio da criminalidade aberrante no cotidiano, dia após dia, semana após semana, sem trégua, se adensando mais e mais.
Como se corresse um rio por sobre nossas cabeças, tornado espesso e escuro pelo amontoado de informações carregadas de sentimentos, cujos respingos – mesmo quando nos afastamos para a seca dimensão de uma senda ascética – e o cheiro desta água, fossem quase constantes. Se por um lado, esta tensão desperta em nós uma certa verticalização e uma consciência “situacional”, por outro lado, sua constância e permanência faz os afastamentos quase como “fugas”, válvulas de escape. Nos fazendo esquecer que acima, águas brilhantes e límpidas (uma manifestação do próprio Reus), são a melhor cura e alívio.
O sujeito nu, em resoluta honestidade, olha para o turbilhão de coisas (sociais) deste mundo e olha para si, e percebe que há algo que não se encaixa. É como se, mesmo sendo jovem, fosse velho demais, viesse de outro mundo, de uma Era anterior. E aqui, não se trata de enfeitar ou emular o sentimento de filósofos tradicionalistas para posar de “nós x eles” ou do tipo “nossa, vejam só como sou desajustado e excêntrico”. Se trata de um desconforto real, que se manifesta no semblante do sujeito. Se somos “almas velhas”, o que estamos a fazer cá? Que vantagem temos, se em quase tudo nos sentimos deslocados? O abismo niilista ecoa a mais simples dúvida e é óbvio que, uma vez que consideramos a sociedade “doente”, não deixa de ser um alívio que não nos sintamos “bem” com ela, de modo que é perfeitamente normal que o são, não se sinta confortável em um ambiente doente.
São tempos fáceis em termos tecnológicos, mas difíceis em termos humanos. Tempos onde não se baixa a guarda. Não temos uma tribo de irmãos, guerreiros e companheiros de lealdade testada em que confiamos nossa vida, que morrerão e lutarão conosco seja onde for. Este tipo de sensação segura, de confiança social orgânica, o verdadeiro laço de Bandu, cada vez mais foi minado em nossa sociedade. Marginalizado para certos espaços do militarismo (onde sempre existiu e tendeu a ser regra) ou para o “ganguismo”, este laço, possivelmente indescritível em termos lógicos, tende hoje a ser etéreo, a se tornar uma “imagem”, um “ícone” para o que buscamos. Somos levados a nos afastar dos nossos familiares (convenhamos, por vezes, de modo perfeitamente justo), somos levados a não termos como nossos amigos aqueles que conhecemos desde sempre, que se criaram conosco. Somos levados a nos afastarmos, mais e mais, e aí, quando atacados por várias frentes, cercados por golpes hostis, ficamos a pensar se nós não seríamos um tipo em extinção…Por vezes, nestes momentos, talvez de fraqueza, sentimos a soma dos desconfortos e se misturam Religião, Política, Arte num questionamento teleológico. Qual a consequência última? O que devemos fazer, então?
Estando no caminho religioso certo, no qual nos sentimos inteiros e que nos fornece as ferramentas para completarmos, restaurarmos e restituirmos o que nos é dado em fragmentos, mas ao olhar ao redor, em nossa vizinhança, nossa cidade, em busca de “iguais” e não vendo muito, nossa natureza mortal cobra seu preço. Como prosseguir? E depois, o que faremos enquanto grupo? Abandonar tudo cá, e voltarmos para a Europa, emigrarmos para lá e formarmos um enclave nas montanhas? “Re-iberoceltizarmos” Portugal e Espanha, progressivamente (preparamos o “Retorno do Rei”)? Ou ficar por cá, em grupos “isolados” ou “integrados”?
É óbvio que, na falta deste aporte de propósito “messiânico”, não nos fica claro os apontamentos políticos em forma de projeto. E sentir falta disto, talvez nos seja um herança velada das fés abraâmicas que ao trazermos à luz, se desvaneça. E com isso, o que era visto como “nada”, passará a ser visto como “possibilidade”. Mas independente disto, nossa fé nos estimula à criação e fortalecimento de laços orgânicos, laços estes que nos auxiliam em nosso sentido de propósito, nos dão confiança, estímulo, favorecendo a camaradagem, virtuosismo e sacrifício. Continuo pensando que o mundo virtual não elimina tal necessidade nem suprime tal “amarração”. E creio que, em tempos como estes, devemos, mais do que nunca, rogar a Bandus para que nos auxilie na criação, no restauro e no reforço dos nossos laços. Nos mantenhamos de pé, ergamo-nos, seguremos firmes nossas armas. Mesmo sozinhos, no horizonte, Bandus nos aponta a glória. Se os homens de hoje rejeitam a glória do passado, envergonhando-se dela, não nos abatamos: nossos ancestrais e heróis de ontem se alegrarão nas estrelas com nossa teimosia inquebrantável. Receber-nos-ão como “pupilos”, ou talvez para os maiores entre nós, como “iguais”. E só o vislumbre desta augusta possibilidade, anima o coração de todo homem e mulher honrado.