(31-12-2010) Sobre Racismo e Paganismo

Texto originalmente publicado no blog “Parahyba Pagã” em 31/12/2010. Mantivemos a redação original, caso hajam novos comentários estes aparecerão entre chaves [] no texto.

Eis uma postagem que talvez não fosse necessária para muitos, mas que postaremos mais pela reflexão.

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Racismo?

Em alguns círculos, se concebe muito obscuramente, que posturas racistas são necessariamente vinculadas ao paganismo. Antes de falar sobre isto, é necessário avaliar a carga pesada que o termo “racismo” tem. Por racismo, me refiro a postura de discriminação de indivíduos de acordo com suas respectivas heranças genéticas dispostas em “raças”. Disto estamos carecas de saber. O problema é quando não associamos adequadamente o escopo do termo, que não engloba apenas o racismo dos “brancos” contra qualquer outros, mas também os dos outros contra os “brancos”. Há toda uma moralidade pecaminosa que envolve o termo, devido a todo um contexto histórico [de violências diversas], e não é isso a que me refiro.

Vivemos num país que discrimina legalmente raças (e neste sentido, é racista – mas ao nos referimos as “cores”, seria ”corista”?), formula cotas e utiliza recursos públicos para financiar projetos de “orgulho racial”, ou seja, me parece que um país como este é “racista” [?]. E ser racista não é sinônimo de ser nazista, nem ser fascista, nem ser comunista, nem anarquista. Este é o ponto. Antes que alguém diga: “pronto, fudeu, Marcílio virou racista…” não é nada disso, apenas estou ressaltando algo simples, o fato do termo não se referir apenas a discriminação racial oriunda de um branco.

 

1ª Proposição: “verdadeiros pagãos são racistas”.

Os que defendem que ser “pagão” é necessariamente ser “racista”, o fazem por algum dos argumentos abaixo.

a.1. Os pagãos antigos eram racistas
a.2. Os pagãos antigos eram os verdadeiros pagãos
Logo,
a. verdadeiros pagãos são racistas.

Ou seja, se o indivíduo não é racista, mas é pagão, é um “falso” pagão. Será? Analisemos o argumento. Para que a.1. Seja verdadeira, temos que verificar a validade do predicado “racista” para os “pagãos antigos”. Primeiro, o termo “racista” é moderno, mesmo sendo de origem latina, simplesmente não existia no latim medieval, quanto menos no antigo, nos tempos pré-cristãos: por um motivo simples, só se pode ser racista, se se concebe “raças”. E aqui entra a confusão, os antigos concebiam muito claramente o que hoje chamamos de etnias (compostos culturalmente distintos que compartilham de semelhanças fenotípicas), [mas talvez] não [propriamente o que chamamos] de raças (termo de conotação estritamente biológica genética). Pois é, é menos anacrônico dizer que os antigos eram etnocentristas. Isto sim, pode ser facilmente verificável, e nisto (no “natural” etnocentrismo) repousa instintivamente uma raiz da Identidade. Outro ponto ainda em a.1., os “pagãos antigos” é uma expressão por demais vaga: inclui muita gente. E o pior, gente que tinha graus de etnocentrismo terrivelmente diverso.

Tiremos por exemplo os Gregos, povo dos mais conhecidos da Antiguidade. Num primeiro momento, são os ícones do etnocentrismo e do incentivo a “xenofobia”, não só contra os “bárbaros” (o que diz respeito, na ótica dos Helenos, simplesmente, ao resto do mundo, com a possível exceção dos egípcios) mas entre os próprios gregos (e ainda há quem chame isto de “racismo”…), que não dificilmente, podiam até se aliar a bárbaros contra os próprios gregos! E vejam só que curioso, este mesmo povo, mais tarde é responsável também pela geração e disseminação do cosmopolitismo e repreensão da “xenofobia” por doutrinas filosóficas firmes [na verdade, o “cosmopolitismo” helenista tende a ser, digamos, “elitista” nem certo sentido, sendo algo predicado ao ideal de “sábio”, de modo a apenas criticar-se o excesso de zelo dos cidadãos pelas suas poleis, numa crítica aos “pequeno-nacionalismos”, talvez vistos como retrógrados ante a realidade política pós-Alexandre].

E mesmo antes, quando já no século V se espalhava pelo mundo de influência jônica certa percepção do relativismo moral, já fica claro o quão “multicultural” a mentalidade grega é. Leiam por exemplo Heródoto, em especial o livro 3, parágrafo 38. E ouso dizer uma máxima aqui: onde houve, na antiguidade, um grande foco de comércio do mundo conhecido, houve uma superação (também “natural”) do etnocentrismo típico, e não vejo motivos para valorar isto moralmente. E houveram grandes focos de comércio em muitos lugares da Europa ocidental, seja na Ibéria, Germânia, Gália, Hibérnia, Britânia, etc.

Voltando aos “pagãos antigos”, apenas ressalto o quão vago é este termo, e o quão descabido para tais propósitos: um epicurista qualquer ou um aristocrata estoico, assim como um mercador gaulês de Masselha, ou um pescador jônico de Mileto são parte dos “pagãos antigos”, e não eram “racistas” no sentido que um nazi era. No máximo, no caso do mercador gaulês e do pescador jônico, talvez, etnocêntricos comedidos (o que é diferente de um etnocêntrico excessivo e militante). Isto é o suficiente para caracterizar como a.1. Como uma falácia de generalização apressada ou mesmo uma ignoratio elenchi.

Já a.2. Temos que nos voltar para a expressão “verdadeiramente pagãos”. O tipo de mente que forma estas expressões é o mesmo tipo que pensa em “sentidos originais”, “mitos originais”, “pureza original”, em “verdade mais verdadeira” e por fim, numa “revelação primeira, única e pura” (justo, leitor atento, esta mesma conversa dos monoteístas exclusivistas). Tal visão ignora, se quer conceber, que as coisas sejam um processo, sazonal, digamos, de mudança, construção, destruição, reconstrução. Se confunde o tema mítico da Idade de Ouro, com os Pagãos Míticos da Idade de Ouro. Que o que sabemos do paganismo antigo é critério para determinar o que é paganismo hoje, disto não tenho dúvidas, mas é superficial e incoerente com o próprio paganismo antigo, pensá-lo como uma religião exclusivista revelada, estática, fria e dura – em todos os lugares do mundo indo-europeu se vê religiões vivas, que dosam o tradicional (que pode ou não, ter sido revelado) com o novo [em maior ou menos grau de aceitação, claro], flexíveis (claro, movimentos internos, seitas, ordens e reformadores religiosos que busquem maior rigidez, disciplina e estatização, é algo normal e também parte de religiões vivas). E por que não seria parte do paganismo hoje permanecer assim, como uma religião viva?

Daí o problema inverso ao do “Vale-Tudo-Oba-Oba-New-Age”: o do Puritanismo abraâmico, ou de uma maneira abraâmica, semítica, de ser puritano. Pensar que os povos antigos não eram práticos ou pior, que eram imbecis, é perpetuar o modelo “cristão” de pensar – não! Os povos antigos eram práticos e espertos: se viam algo novo que melhorassem suas vidas, seja uma técnica agrícola, uma inovação tecnológica (o que pode englobar inovações religiosas), adotavam sem pestanejar, quando não aperfeiçoavam. Os povos antigos não tinham internet, nem café, nem automóveis, nem celulares, nem tanques de guerra, por isso não utilizavam. Claro, considerar noções e conceitos discursivos [como “Direitos Animais”, “Ecologia”, etc.] como estritamente iguais a ganhos tecnológicos materiais é uma equivalência filosoficamente problemática que não farei. Até por ser o tipo de sujeito que insiste em investigar certos conceitos e pressupostos da Modernidade em busca de raízes ou pressupostos cripto-cristãos laicizados que de alguma forma moldem nossa percepção sem que percebamos. E justamente, isto nos leva uma visão menos idealizada e romântica da Antiguidade e ao mesmo tempo, nos permite se distanciar – mesmo que momentaneamente – um pouco mais da Modernidade. Mas isto não significa que não possamos refletir sobre o valor de certos modernismo ou alternativas à estes que estejam em consonância com valores religiosos atemporais.

E neste sentido, é possível manter algo do “verdadeiro pagão” fora da delimitação temporal do conjunto dos “pagãos antigos”, de modo que uma proposição mais certada seria “os pagãos antigos eram também verdadeiros pagãos”, sem fechar absolutamente a associação dos “verdadeiros” com os extintos, no passado, como se não fosse possível hoje [de notar que já ouvi este argumento por parte de cristãos que buscavam desqualificar minha opção religiosa, criando uma definição para “verdadeiro pagão” que é falsa, ou melhor, que é um “espantalho”, para então tentarem demonstrar que eu ou qualquer outro não teríamos como nos encaixar nesta definição propositalmente alterada, para então concluir que não somos “pagãos verdadeiros”. Este procedimento, se não feito por uma construção conceitual do tipo “espantalho”, ou seja, falsa e propositalmente construída como “armadilha”, pode ser válido. Mas neste caso, estamos, justamente, denunciando que “verdadeiros pagãos” é de uma vagueza torpe e pressupõe um tipo de puritanismo ideológico abraâmico que não era normal no Ocidente Indo-Europeu].  Ou seja, a.2. é uma proposição questionável o suficiente para que a aceitemos sem reservas. E se considerarmos as duas premissas (a.1. e a.2.) como inadequadas, não podemos considerar a conclusão também. Daí que a proposição a. não é interessante para unir racismo ao paganismo.

Passemos para outra proposição.

2ª Proposição: “ser pagão é ser racista”.

b.1. Ser Indo-europeu é ser racista
b.2. Ser pagão é ser Indo-europeu
Logo,
b. Ser pagão é ser racista

Analisemos. b.1. É extremamente confuso. Pra confundir mais ainda, troquemos “Indo-Europeu” pela expressão em voga até meados de 1950, “Ariano”. Esta é a confusão chave: a do desconhecimento do que torna alguém ou algo ‘Indo-europeu’. O que torna alguém Indo-europeu? O ignorante responderá “a raça”. NÃO, a “Indo-europeidade” não é um padrão genético, não! É cultural. Até Julius Évola sabia disto, ao dizer que ser “Ariano” é antes de tudo, uma disposição de caráter [uma posição surpreendentemente alinhada com a etimologia e visão religiosa interna]. O que torna alguém Indo-europeu é estar imerso no conjunto cultural específico; é falar uma língua indo-europeia, ter uma religião indo-europeia, ter valores e ter um imaginário simbólico imerso no mundo indo-europeu. Imaginemos um bebê mestiço (de quaisquer grupos genéticos) e o façamos ser educado na Índia, por exemplo, tendo uma língua mãe, uma religião, valores e imaginário indo-europeus, com base em que ele não é indo-europeu? Na genética? O fato desconcertante para o racista, é que este sujeito será mais Indo-Europeu que um branco de língua nativa fino-ugárica, religião e valores culturais semíticos, por exemplo.

Por mais que seja confirmado que determinados padrões genéticos fenotípicos oferecem tendências para certos comportamentos, isto não quer dizer que haja pura determinação a priori: a religião, valores e comportamentos são questões eminentemente culturais [eu hoje reformularia para “preponderantemente culturais” até onde sabemos]. Os romanos descreviam os celtas, por exemplo, como alguns hoje descrevem “jovens africanos” que vivem em grandes metrópoles europeias: belicosos, instáveis, tendenciosos a marginalidade, etc. Basta ler, por exemplo, Júlio César ou Estrabão. [Claro, em contextos totalmente DIFERENTES, os Romanos e Gregos foram até os países de Celtas, moveram-lhes guerra e meio que, justificavam tais coisas com o barbarismo e “sub-humanidade” dos nativos. No caso, dos emigrantes colocados pelas elites políticas como ferramenta de engenharia social no contexto do Multiculturalismo militante, é OUTRA coisa. A comparação fora apenas para realçar o fato de que, na Antiguidade, povos Indo-Europeus – como os Romanos – retrataram outros povos igualmente Indo-europeus como “inferiores”, “sub-humanos”, etc. De modo a ficar claro que não é uma questão de “Indo-europeidade”].

O modelo de estratificação social indo-europeu (tripartido como percebeu G. Dumézil, ou quadripartido como sugerem outros) deixa claro, que a base é cultural [na verdade, religiosa], independente do discurso mítico (e os meios para legitimá-lo) utilizado para justificar tal estratificação. Um exemplo disto está em Platão, na República (414d-417b) ao falar da “nobre mentira”, propondo uma justificação ideológica do estado, razoavelmente adequada, para a eugenia – mesmo ai, onde se divide as almas do povo em três tipos correspondentes as três funções sociais básicas do mundo indo-europeu, se percebe que da camada mais “baixa”, digamos, pode nascer uma alma da mais “elevada” (415a-b) – por que como ficará claro, mais a frente (ao tratar da educação dos Guardiões e dos Filósofos), é a educação que determina [ou que nos permite identificar, no casos de disposições congênitas] adequadamente a “elevação” do caráter, não [só] a genética [pura e simplesmente].

Pois é, a raiz IE *aryo-, de onde temos “Ariano”, designa antes de tudo uma disposição moral: “senhor, nobre” (POKORNY, 2008, p. 172), não preciso dizer que é a mesma raiz do grego ἄριστος (de onde “aristocracia”), em proto-céltico *aryo- é “nobre, excelente, homem livre” (e depois por decorrência, no gaélico, passou a designar o agricultor austero), presente em todas as línguas indo-europeias antigas com a conotação de moralidade e status social muito mais destacada que a genética – por favor, confiram. Ou seja, ser “ariano” é antes de tudo, uma disposição moral que por sua vez [a mesma percepção da “Aristocracia de Espírito” de Nietzsche], permite uma posição social, e principalmente estar imerso num todo cultural indo-europeu. Não é ser branco, de olhos claros e cabelo loiro. Não é uma disposição genética. É uma disposição cultural. Daí que não faz sentido dizer b.1.

Sobre b.2. Há algo de muito sério aí: ser “pagão” é ser Indo-europeu. Disto depende de como entendemos “pagão”, e isto já foi discutido a muito por aqui e não desejo retornar. Mas simples, se se considera que o termo “pagão” designa toda e qualquer disposição religiosa centrada na Terra, de características animistas, totêmicas, etc. (segundo o jargão antropológico), isto incluiria as práticas de vários povos do mundo, que não são indo-europeus.

E temos outro ponto importante, no geral, há pelo menos uma religião indo-europeia que talvez não seja propriamente designada de “pagã”: o Zoroastrismo. O culto a Ahura Mazda tomou proporções monoteízantes, apesar de a princípio ser uma reforma henoteísta dentro de um sistema politeísta indo-europeu. Em todo caso, as religiões monoteístas exclusivistas de origem semítica não indo-europeia, as chamadas abraâmicas: o judaísmo, cristianismo e o islamismo estabeleceram-se opondo-se aos “paganismos”. As últimas duas, em especial, se alimentaram muito e incorporaram muito do imaginário e simbolismo indo-europeu, língua e entre outras coisas, mas ainda sim não se tornaram indo-europeias [o Cristianismo como um todo, é a religião semítica de maior influência Indo-Europeia].

Daí que ser de uma destas religiões [Cristianismo, Islã ou Judaísmo], não é ser indo-europeu na “íntegra”. Hoje mais que nunca. Por um motivo simples: com a globalização e todos as facilidades tecnológicas as diferenças culturais e as identidades diluem-se e rearranjam-se sob forte ameaça de homogeneidade e a religião – talvez mais que a política ou a produção artística – desempenha um papel cada vez mais crucial na formação das identidades contemporâneas e permanece um reduto firme de diversidade. Por isto, advogo que ter uma religião Indo-europeia é crucial, junto com a língua, para a correta caracterização identitária – pois com estas duas se obtém o resto. Por fim, associar o termo “pagão” como sinônimo de “pertencente a uma religião Indo-Europeia” é problemático, pois se usa o termo (de forma negativa) para descrever qualquer membro de qualquer religião não-semítica, por exemplo. Enfim, sobre o problema deste termo, toda sua carga negativa, de monopólio ou “silenciamento” discursivo (cristão), muito já se falou e não é o caso de retomarmos cá. O fato é que mesmo que se aceite b.2, que nesta altura já deve ter ficado claro ser problemático, pela nulidade de b.1, a conclusão não é válida logicamente.

Passemos para outra proposição.

3ª Proposição: “ser pagão é ser racista”

c.1. Ser pagão é ser ultra conservador de direita, tradicionalista e xenófobo
c.2. Ser ultra conservador de direita, tradicionalista e xenófobo é ser racista
Logo,
c. Ser pagão é ser racista

[Desde que este texto foi escrito, pelo aumento da polarização política em nosso país entre outras coisas, meio que se aprofundou uma separação – como se pudéssemos dizer “pagãos de Direita x pagãos de Esquerda”, e talvez o pior, meio que blocando/homogenizando num discurso pronto e alheio a nós mesmos, induzindo ao confronto de um contra o outro. Nos dividiram e talvez já tenham conquistado uma das partes… Enfim, prossigamos.]

Novamente, o pagão de ontem é modelo para o pagão de hoje, OK. O fato de haverem no passado alguns contextos em que alguns pagãos demonstraram estes “valores” (pelo princípio da caridade, supondo que não haja anacronismo) não implica necessariamente que todos os pagãos em todos os contextos no passado, presente e futuro demonstrem estes valores. Se é verdade que tradicionalismo religioso (em qualquer religião, não sendo diferente nas Indo-Europeias) tende a conservadorismo social, apreço pelas tradições e costumes, por ver-se a ordem social como estabelecida ou vinculada ao poder cósmico/divino; também é verdade que surgem, nas diversas sociedades, grupos ou tendências reformistas e/ou vistas como “progressistas”. Claro, antropologicamente, podemos dizer que isto é mais comum em sociedades mais numerosas, complexas e multiculturais [nunca ouvi falar de movimento “revolucionário” ou “reformista” endógeno numa tribo indígena do vale do Xingu, por exemplo, ou numa tribo africana na Zâmbia]. Sociedades tribais tradicionais, fechadas e não muito numerosas, tendem a ser politicamente mais estáveis (e religiosamente conservadoras e tradicionalistas), mesmo comportando em si uma estratificação social alta [aqui, fica claro a falência dos instrumentos conceituais marxistas de “luta de classe”, por exemplo, neste sentido, hoje, creio que os conceitos de Bertrand de Jouvenel, da tensão entre o Poder político e a Ordem Social sejam mais adequados].

Sem contar, que mesmo ainda admitindo a suposta validade cronológica de tais valores, basta uma olhada rápida para perceber certo simplismo: no auge expansivo de Roma, por exemplo, havia pagãos que talvez cunhássemos [anacronicamente] de “liberais” (de esquerda, diríamos), amantes das inovações, xenófilos, favoráveis a liberdades individuais [César, no De Bello Gallico, por exemplo, em sua tentativa de difamar os gauleses, os retrata com um povo amante de inovações e modas em termos sociais, o que dá a entender como pouco “tradicionalista”, de tendências egocêntricas, apesar de radicalmente conservadores religiosamente]. E é simples de entender quando deixamos de lado o projeto simplista de reduzir a antiguidade a parâmetros estreitos de preto e branco: tais posturas (ainda considerando a suposta adequação cronológica, coisa de longe, descabida) variavam de acordo com situações históricas, camadas sociais, zonas urbanas, “graus”, etc. Ou seja, problemas de definição, de raciocínio e falta de conhecimento mesmo; daí que não podemos (e penso que ninguém, em sã consciência) considerar como válido c.1.

[Se por um lado é verdade que, muitos dos antigos, em suas posições e ações, seriam hoje, taxados de “xenófobos”, “conservadores”, etc. pelos valores aristocráticos e religiosos atemporais presentes nas religiões Indo-Europeias, também é verdade que se o seriam, seriam por contingência – uma vez que se trata de um anacronismo julgar visões que precedem a criação de tais conceitos modernos utilizando-os de forma taxativamente reducionista. Seria como chamar Aristóteles de “cientista”, por exemplo. E também é verdade que nas sociedades mais complexas e que desenvolveram algum tipo de representação política em grupos de magistrados, tenderam a apresentar disputas teóricas e divergências ideológicas – que não foram dentro dos moldes modernos de Direita x Esquerda, é bom deixar claro – que não nos permitiriam reduzir todos a uma homogeneidade ideológica no sentido moderno.]

E c.2.? Bem, me parece também não ser válido. Não é difícil conceber uma pessoa que seja de extrema direita em suas posições políticas, tradicionalista e xenófobo, sem no entanto, admitir a validade de teses racialistas – pois pode defender em suas convicções a noção de “povo” (como ‘etnia’ uma noção majoritariamente cultural) ao invés de “raça”. É perfeitamente possível ser conservador e tradicionalista e não ser racista, inclusive sendo um antirracista, por julgar a noção de “racismo” uma invenção moderna. E ponto. Daí que admitindo a não validade de c.1. Nem de c.2. Não há como admitir a de c.

Sobre os que defendem tais posturas.

Os tipos que defendem a intrínseca relação entre Paganismo e Racismo o fazem, geralmente, para promover alguma agenda política. Há os que o fazem para atacar a reputação ou um grupo, por este não se alinharem com suas preferências ideológicas ou não rezarem pela mesma cartilha. Há os que o fazem para recrutar gente nova e incauta para causas racistas. Há quem faça, não duvido, por ignorância para advogar a superioridade moral de uma fé monoteísta ou uma crença filosófica humanista moderna ateísta.

Já os “pagãos” que aderem ao besteirol racista, curiosamente, muitas vezes são pessoas que desagradariam profundamente a quem supostamente admiram (os Pagãos Míticos da Idade de Ouro): covardes (escondendo-se atrás de pseudônimos e das facilidades de anonimato da tecnologia), fracos (física e mentalmente), falam muito e agem nada (como aqueles cães pequenos que só latem, e correm ao bater do pé), lerdos (a maioria não mantém a si mesmo, vive de parasitismo na casa dos pais de boas condições financeiras, nunca lavraram uma terra, nunca pegaram na enxada em baixo do sol quente do verão, nunca pegaram numa arma, nem nunca passaram por uma situação real de perigo e iminência de morte, nem se quer uma situação de esforço extremo e superação de si, etc.) cultivando uma fantasia de verem a si mesmo como “campeões da raça”, cavaleiros em armadura brilhante, “exemplos” – não raro obesos e disformes.  Isto quando não ficam presos na doença do LARPNazi, em “Cosplays” autistas. [Felizmente, creio que tais tipos rarearam, ou talvez seja meu afastamento das redes sociais virtuais].

[Me recordo que na época em que escrevi isto, havia uns tipos deste acima que vinham encher a sessão de comentários do blog com besteiras diversas.]

Este é um dos problemas da inclusão digital, e um dos problemas de politizar a espiritualidade ao invés de espiritualizar a política (quem disse isso mesmo? Julius Évola!), isto sim coerente com a tradição indo-europeia, pois ainda na visão “tradicionalista indo-europeia” o lugar do guerreiro é, no máximo, ao lado do intelectual-sacerdote, a Índia é o exemplo vivo de que se deve preservar isto. Nas sociedades indo-europeias onde a classe guerreira-política afogou/usurpou a intelectual-sacerdotal a longo prazo, o mundo ruiu – e as sociedades foram dominadas seja pelo ferro ou por uma religião estranha. E este é um momento de ressurgimento, e os guerreiros-políticos são parte importante disto, desde que saibam e respeitem a ordem “natural” [este trecho merece um texto a parte depois, indico que os conceitos de De Jouvenel referidos acima, são uma boa ferramenta para entendermos a dinâmica das mudanças políticas nas sociedades pré-modernas e nas sociedades Indo-Européias em geral].

Minha intenção não é soar elitista, mas apenas advertir para a falta de conhecimento de muitos que advogam certas posições justificando-as como “coerência histórica”. No passado, tanto quanto hoje, haviam elites, e mais, como hoje, muitas vezes seus objetivos (e inclusive concepções religiosas!) divergiam dos anseios e visão geral do “povão”, e mesmo o povão, não era este Povão idealizado, fruto da concepção idealizada do Bom Selvagem e de toda a literatura romântica [um “Povo” rousseaniano, origem da “Soberania Popular”]. Há uma ingenuidade tola nesta parte do Neopaganismo atual, que talvez por falta de tempo para estudar (passam o dia a “militar” na frente de um computador e a consultar a wikipédia, no máximo, em eventuais necessidades), acaba acreditando que certas incoerências são coerências e que tudo se resume a uma briguinha sem fundamento para ver quem é mais “puro, original”, confundindo isto com a postura do heavy metal do “poser” em oposição ao “true headbanger”, esquecendo o principal.

Sobre posições metafísicas relacionadas.

A parte do Espiritismo moderno, as religiões Indo-europeias são de longe as que mais concebem algo parecido com a “reencarnação”. E nestes espaços há quem tente ver também brechas para justificar racismos, ao advogar crenças de que o indivíduo renasce apenas na “família” ou “raça” a qual sempre pertencera, entre tantas outras coisas. Do mesmo modo que há os que assim acreditam, há também os que acreditam de forma diversa, de que por, exemplo, um africano pode nascer com uma alma europeia e ser chamado pelos deuses europeus (é, os deuses existem e, por incrível que pareça pra esta gente, Eles têm vontade própria e as vezes fazem coisas que não entendemos de imediato)… claro, a crença no renascimento, transmigração das almas, metempsicose, reencarnação, etc. não é unanimidade entre as religiões Indo-europeias e muito menos entre os fiéis, mas é importante registrar esta observação [as visões sobre a Transmigração da Alma merecem um estudo e sistematização mais ampla: houvera alguma popularidade na Grécia com o Pitagorismo e o Orfismo, e pelo menos entre os Celtas, se tem a clara posição da sobrevivência da alma individual após a morte que merece um texto separado].

[Outra discussão metafísica importante é a da próprio noção da Unidade Humana, que por sua vez resultaria em um auxílio para quem defende a Igualdade de forma ampla e o antirracismo em particular. Há quem defenda que tal “unidade” tivera origem na noção de Igualdade cristã (a ideia de igualdade radical das almas humanas) e no exortação moral do Cristianismo de se amar o Outro, o Estrangeiro, o Diferente, da solidariedade irrestrita (em contraposição a solidariedade e confiança “tribal”). Por mais que tudo isto tenha algum fundamento, é importante lembrar que no Ocidente, o Platonismo, por exemplo, fornece uma fundamento para esta noção a partir da Teoria das Formas e que, como já referido, o Estoicismo forneça uma base para certo “universalismo” na consideração da condição humana. E mesmo antes disto, as diversas religiões antigas traçam a mortalidade como característica equalizadora da condição humana, ou pelo menos como condição inicial para todos. Isto já basta, claro, para mostrar que o Cristianismo não possui o monopólio do discurso sobre isto, nem pode vangloriar-se de uma suposta superioridade moral neste quesito. No entanto é importante frisar que a defesa da Iniquidade Natural, da diferença de almas/”tipos” humanos, naturezas (“produtor”, “guerreiro”, etc.) não significa cair na defesa de Racismo biológico ou muito menos da descriminação real e injusta de uma pessoa, por sua cor de pele ou característica genética qualquer. A ruindade, safadeza e pilantragem não são características de uma raça, cor ou religião. A visão de nossos ancestrais tende a enfatizar o valor e virtude pessoal, julgando os feitos concretos, e não intenções etéreas ou pertenças de palavrório, a boa origem, a origem divina, se prova por atos, e não pela condição financeira de nascimento, como bem demonstrado em mitos e mais mitos dos nossos Heróis e Deuses, da Grécia a Irlanda, da Rússia a Germânia.]

 

Finalizando

Termino, enfatizando algo simples: não há necessidade causal nenhuma entre pertencer a uma religião étnica Indo-Europeia e ser Racista. Como não há entre ser religioso, tradicionalista e ser Racista. As pessoas que forçam algo disto, o fazem por motivações políticas diversas e visando denegrir, associando uma conduta não apenas eticamente errada, como legalmente criminosa, um grupo ou pessoa. Os racistas que arquem com as consequências sociais, políticas e jurídicas de suas ações. Nós, não temos nada de ver com eles.

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