
Há quem se preocupe em demasia com o inverno, e se esqueça dos perigos do verão. O inverno demanda toda uma preparação de recursos tais como alimento, lenha, feno, e etc, a fim de sobreviver à escassez e ao frio do inverno, e, principalmente às dificuldades de locomoção que gelo, neve e escuridão acarretam. Todavia o oposto pode ser igualmente perigoso, ou talvez ainda mais. Quando os dias ficam longos, as estradas estão abertas, e o gado volta a engordar nos campos, também aumenta a cobiça.
Beltane é nas Mitologias Celtas um período de grande perigo. Foi então que se deram todas as grandes invasões da Irlanda, desde a divina invasão dos deuses Tuatha de Danaan, até a dos Fir Bolg e Milésios. Foi igualmente no Dia de Maio que o filho da deusa equina Rhiannon foi sequestrado por um monstro do Outro-mundo, na Mitologia Galesa. Beltane marca o início do verão, é o sinal de que o gado deve ir pastar, engordar, e preparar os campos para o plantio. É também quando tinha início oficial a temporada de migrações e a de guerras. A estação clara do ano, era a estação das razias, quando as aristocracias guerreiras se preparavam para saquear as tribos vizinhas, e as confrarias guerreiras deixavam a hospedagem de seus mecenas para irem viver da caça nas florestas e patrulhar as fronteiras. A estação clara do ano, inaugurada por Beltane, nada mais é do que a estação do movimento, da vivacidade, da expansão econômica, militar e política. Ao fim de cada verão, fronteiras podem estar mudadas, povos podem ter se locomovido dezenas de quilômetros. Colheitas podem ter sido um fracasso ou grande sucesso. O rebanho pode ter aumentado ou minguado. Muita coisa pode mudar no verão, é uma estação de transformação e migração.
O folclore nos diz que no Beltane os véus de névoa que separam os mundos se desfazem, as hostes feéricas, o Povo do Sîdh, vaga livremente em nosso mundo. Tanto os pacíficos e amistosos, quanto os mal intencionados. A invasão e saque por parte de seres feéricos é uma realidade, e para proteger a propriedade e a família destes malefícios, é que vários costumes desenvolveram-se nas regiões célticas. Na Escócia, Irlanda, Galícia e Portugal, flores, em especial as de cores amarelas são usadas como amuletos de proteção: giestas e margaridas, mas também de outras cores, como verbena e junípero, são excelentes para purificação de ambientes. É devido à abertura dos caminhos que os poços e fontes d’água têm seu encanto ainda mais elevado no Beltane, e por isso a primeira água coletada ao alvorecer é especialmente benéfica, pois por ela acabaram de passar os Sîdh, os Mouros da tradição gaélica.
O pagamento do tributo ao Povo do Sîdh também ocorre nesta data, quando derivados do leite são deixados do lado de fora das casas, para que “o leite das vacas não seja roubado”, ou seja, para que a sorte não seja levada embora. Este costume certamente tem origem mitológica. O Livro de Leinster nos diz que após a derrota infligida pelos Milésios aos deuses Tuatha de Danaan, esta raça divina teve que deixar a superfície da terra e habitar os Outros Mundos, no fundo dos lagos e montes, atrás da névoa. Como forma de vingança, os Tuathá de Danaan fizeram com que as fontes e rios secassem, as chuvas cessassem, e as terras não dessem mais colheitas. Os Milésios, ainda que vitoriosos, estavam perecendo, a ponto de abandonar a terra recém conquistada, quando o rei Erehmon, após muitas tentativas, conseguiu uma assembléia com o deus Dagda, então o Grande Rei dos deuses. Eles acertaram que os Tuathá de Danaan, deuses vinculados à natureza, voltariam a permitir que esta desse suas dádivas, desde que os Milésios pagassem, anualmente, um tributo aos deuses. Aí surgiu a diplomacia e, aos poucos, as relações de amizade, apaziguamento e hospitalidade entre mortais e deuses, e com o passar do tempo, tornaram-se tradição religiosa dos Celtas.
Por isso, no Beltane, é bom não esquecer de erguer as defesas de sua propriedade e morada contra as invasões do Sîdh, e as invasões dos saqueadores mortais também, e, é bom não esquecer de pagar o tributo aos deuses. Preparem-se, honrem todas as dívidas antes do Beltane, façam seus amuletos, afiem seus corpos e suas lâminas, e, se na sua celebração as hostes feéricas passarem, esteja ciente de que causarão uma grande alegria, ou uma grande confusão.