[Tradução do trecho Os homens não existem senão por aquilo que os distingue, da obra Un Samouraï d’Occident de Dominique Venner. Pág 291 a 294. Comentários meus no corpo do texto em itálico e entre colchetes.]

Para além da vida de cada um, existe o princípio fundamental de toda a vida humana que o embaralhamento de todos os pontos de referência exige retomar.
E para começar, como Heidegger genialmente formulou em Ser e Tempo (Sein un Zeit), a essência do homem está em sua existência e não em um Outro Mundo. É aqui e agora que jogamos nossos destinos até o último segundo. E este último segundo tem tanta importância quanto o resto da vida. Porque é preciso ser você mesmo até o último instante, sobretudo no último instante. É ao decidir por si mesmo, querendo realmente seu destino que se pode vencer o nada. Não há escapatória a esta exigência porque nós só temos esta vida na qual nos cabe ser inteiramente nós mesmos ou não sermos nada. Homero sugeriu muito bem esta grande verdade, mas, à sua maneira, sem conceitualizar.
Em sua diversidade, os homens não existem senão por aquilo que os distingue, clans, povos, nações, culturas, civilizações, e não por aquilo que têm superficialmente em comum. Apenas a sua animalidade é universal. A sexualidade é comum a toda a humanidade assim como a necessidade de se alimentar. No entanto, cada civilização tem sua maneira singular, que não pertence senão a ela, de ritualizar o amor, de acomodar os alimentos, e as bebidas – artes, gastronomia, costumes… procedentes de um esforço milenar de criação na continuação de si mesma. O amor entre duas pessoas do sexo oposto assim como conceberam os europeus, e que idealizou o armor cortês a partir do século XII, já estava presente de maneira implícita nos poemas Homéricos. [E de maneira explícita na Mitologia Celta] Da mesma forma, a forte percepção de ser uma pessoa, a existência política das cidades livres, a ideia fundamental também de que os homens não são estranhos à natureza, que eles agregam o ciclo de renovação perpétua incluindo o nascimento e a morte, que, enfim, do pior pode vir o melhor, são as particularidades constitutivas já presentes nos poemas fundadores que nos oferecem os modelos para nos encontrarmos.
Mesmo quando não o sabem, os indivíduos e os povos têm uma necessidade vital de raízes, de tradições e civilizações próprias, ou seja, de serena continuidade, de ritos, de ordem interiorizada, e de espiritualidade. Nós, os europeus, temos fome de beleza, notadamente nas pequenas coisas da vida, nas obras de arte reconhecidas, na música, na arquitetura e na literatura. Em outras palavras, esta verdade da qual muitos povos continuam conscientes foi suprimida entre os europeus de hoje em dia pelos efeitos conjugados do universalismo cristão e do Iluminismo, transposto pelo cosmopolitismo das sociedades de mercado. A crença na vocação universal é errônea e perigosa. É perigosa por que nega as outras culturas e civilizações que deseja suplantar para o lucro de uma pretensa cultura mundial da consumação dos “direitos do homem” que não são outros senão os direitos da mercadoria. Esta crença é perigosa porque adoece os Ocidentais em um etnocentrismo negador das outras culturas. Ela os proíbe de reconhecer que os outros povos não sentem, não pensam, nem vivem como eles, e que estas particularidades são legítimas, de forma que não queiramos nos impor sobre eles.
Tendo esta realidade no espírito, podemos colocar como princípio que não há resposta universal aos questionamentos da existência e do comportamento. Cada povo, cada civilização tem sua verdade e seus deuses igualmente respeitáveis. Cada um contém suas respostas sem as quais os indivíduos, homens e mulheres, privados de identidade, logo de substância e profundidade, são precipitados a um distúrbio sem fim. Como as plantas, os homens não podem viver sem as suas raízes. Mas suas raízes não são apenas aquelas de sua herança, aquelas às quais podemos ser fiéis, são igualmente aquelas do espírito, ou seja, da tradição que cabe a cada um se reapropriar.