Tradução: Alain de Benoist – O totalitarismo igualitário

Alain de Benoist lors d'un discours à un colloque du G.R.E.C.E (Groupement de Recherche et d'Etudes pour la Civilisation Européenne) le 29 novembre 1981 à Paris, France. (Photo by Jérôme CHATIN/Gamma-Rapho via Getty Images)

Tradução por Marcílio Diniz da Silva de ‘Le totalitarisme égalitaire’ presente no livro Les Idées à l’endroit de Alain de Benoist, publicado pela Éditions Libres-Hallier, Paris em 1979. Páginas 159-162. Os termos em itálico que não forem estrangeiros são realces do próprio autor presentes no texto original.

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O totalitarismo é ao mesmo tempo um dos fenômenos mais marcantes do nosso tempo e um dos menos conhecidos. Nunca foi satisfatoriamente explicado. Nunca foi explicado como mais que um fenômeno que, com razão, horroriza o maior número, pode por vezes ser aceite de uma forma durável. A análise moderna do totalitarismo geralmente substitui uma tradição que vê no poder, na pior das hipóteses um mal absoluto, na melhor das hipóteses um mal necessário, e que, desde Montesquieu e Rousseau (e até “novos filósofos”), glosa sobre a “tirania” no germe de toda autoridade e sobre a necessidade de controlar o “orgulho da dominação”. Segundo essa teoria, o totalitarismo resulta de uma simples extrapolação das propriedades do poder político. É, por assim dizer, a inclinação natural.

Em um livro de última data (L’Espirit totalitaire), Sirey, 1977, Claude Polin, professor da Universidade de Paris-Sorbonne, demonstrou a natureza simplista e errônea de tal ideia. Buscando ver exatamente o que é o despotismo dos tempos modernos – o totalitarismo – definido como um sistema cujo terror é a essência, não o acidente – ele rejeita todas as explicações tradicionais.

O totalitarismo é primeiramente, com efeito, um fenômeno moderno. No passado, o déspota não sonhava em ficar ressentido com a atividade de seus súditos, desde que esta não invadisse seu poder. Além disso, as sociedades tradicionais tinham uma “ideologia” (no sentido de autorrepresentação coletiva de si) que lhes era natural: uma certa concepção do mundo era vivida de forma coextensiva a qualquer atividade social, sem que houvesse necessidade de restringir sua reprodução. As ideologias, hoje, são devires conscientes de si mesmas. Eles não constituem, no entanto, por si só, uma explicação suficiente. Se a ideologia não é suficiente para garantir a adesão das massas, o que se faz com recurso à tirania, por que as massas se submetem? E se desperta uma fé suficiente, por que há tirania?

Para o Sr. Polin, o totalitarismo não é o fruto natural do exercício do poder. Não deve nada à essência do poder. Nem é um avatar permanente das paixões humanas. O totalitarismo é o produto do espírito igualitário e, singularmente, do espírito econômico que é seu corolário forçado.

Que o desenvolvimento do igualitarismo andou de mãos dadas com o da preocupação econômica não é algo alarmante. Todo o materialismo é igualitário: “O culto da igualdade é filho do culto da economia”. Não é a inveja que desperta a competição por bens econômicos, mas sim bens materiais que incutem a inveja como seu efeito imediato; há inveja apenas do que, por natureza, pode ser compartilhado. Correlativamente, removendo do poder seus fins normais, suas características próprias e os limites resultantes, a economia desnaturou a política. Nesse ponto, todas as ideologias econômicas, sejam elas ideologias de mercado ou ideologias socialistas, se juntam. Burgueses e socialistas estão em desacordo sobre a natureza do melhor sistema econômico, mas não sobre a “virtude sociogênica” da atividade econômica: a felicidade de todos está essencialmente relacionada ao bem-estar material de cada um, a guerra contra a pobreza é a atividade humana por excelência, e, como resultado, a estrutura social é determinada pela economia. O estabelecimento de um regime econômico não contraditório engedrará o regime final das sociedades humanas; o advento de uma sociedade econômica tornará a política desnecessária; no final, o estado morrerá ou será reduzido ao papel de “vigia noturno”.

Em suma, no Oriente, como no Ocidente, a economia é o destino. E o fato extraordinário é que ninguém faz a pergunta fundamental: a do papel “libertador” da atividade econômica. Os modernos, quaisquer que sejam suas opções, fazem da economia uma representação resultante de uma escolha sobre os motivos dos quais eles nunca se questionam. “Pode-se perguntar”, escreve o sr. Polin, se “a alienação humana sobre a qual se estende tão complacentemente os nossos dias não é, em si mesma, a prova de uma autêntica alienação, pela qual o Homo Œconomicus, precisamente porque ele é assim, teria se tornado incapaz de refletir a si mesmo e, por razões que são o enigma moderno por excelência, irá procurar a chave de sua humanidade naquilo mesmo que a ele removeu”.

O fato é que não há igualdade verdadeira sem igualdade de condições materiais: sem ela, a igualdade é só uma palavra. A característica da atividade econômica é que ela desfaz sem cessar a igualdade com base na qual ela é fundada. De onde um mal-estar profundo, que, de acordo com Claude Polin, leva ao totalitarismo: o despotismo moderno nasce da incapacidade dos regimes “econômicos” moderados para resolver o problema da desigualdade de onde extraem seu próprio princípio. O totalitarismo é produto da primazia econômica e das contradições que ele suscita entre uma aspiração igualitária ao qual está intrinsecamente ligada, e as desigualdades que não pode prevenir e que, em certa medida, ela produz. Assim considerado, o totalitarismo não é outro senão o estágio último do economicismo: “Quando a consciência vem à luz, nenhuma revolução econômica pode fazer algo contra a economia, porque ela simultaneamente dá a sede por igualdade e a sede de desigualdade, de modo que a paixão igualitária tende à utopia terrorista”. Em outras palavras, “o homem totalitário é o homem integralmente econômico”. É o homem que se tornou um ser econômico de part en part, se tornou uma coisa.

Longe de ser um baluarte contra o totalitarismo, as democracias liberais contêm em seu seio o princípio mesmo do seu advento. As sociedades burguesas, explica o sr. Polin, estão em perigo de morte porque não podem opor-se efetivamente a seus adversários, atacando, na base, postulados igualitários e economizadores que também são os seus. O socialismo não ataca a sociedade liberal ao se apoiar nos mesmos princípios em cujo nome o liberalismo rejeita o feudalismo? As sociedades burguesas e as sociedades socialistas são, cada uma, a traidora da outra – por causa dos postulados comuns. Daí a má consciência da sociedade de mercado. Daí também sua vulnerabilidade, porque é nessa fenda da má consciência que a intelligentsia se encurrala para acelerar seu momento. As sociedades liberais estão desarmadas diante de facções que, referindo-se a seus próprios ideais, pretendem aplicá-los ainda mais rigorosamente. “O burguês”, escreve o sr. Polin, “está condenado a derrotar progressivamente seu liberalismo para mostrar que ele não é o que parece ser, não há mistério em sua autodestruição. Ela resulta de sua própria natureza: ele não pode ceder, pois não vê razão para resistir; mas cada vez que cede, dá a prova que a verdade está do outro lado. A burguesia morre porque nutre em seu seio o princípio mesmo de sua ruína, que não é outro senão sua finalidade mesma, na medida em que parece ao maior número incapaz de alcançá-la”. Os socialismo sucedem, pois, às sociedades liberais. Mas elas, por sua vez, encontram a impossibilidade prática de alcançar a igualdade anunciada. Soa então a hora do totalitarismo.

A chave do enigma totalitário se encontra na necessária reinterpretação das relações entre política e economia. Somente estarão seguras do perigo totalitário as sociedades que, fundando sua mundivisão na diversidade, repudiem de uma vez por todas a ilusão igualitária e a redução de toda finalidade social à preocupação econômica.

(Novembro de 1977)

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