Tradução: Alain de Benoist – A “diferença”, ideia antitotalitária

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Tradução por Marcílio Diniz da Silva de ‘Le «différence», idée anti-totalitaire’ presente no livro Les Idées à l’endroit de Alain de Benoist, publicado pela Éditions Libres-Hallier, Paris em 1979. Páginas 163-166. Os termos em itálico que não forem estrangeiros são realces do próprio autor presentes no texto original.

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“Viva a diferença”. É o novo mote da moda. Da esquerda à direita, todos (ou pouco a pouco) reivindicam para melhor o “direito de ser diferente”. Sinal dos tempos ou política “recuperativa”? Vale a pena dar uma olhada mais de perto.

Por dois séculos, o mundo ocidental viveu sob o signo de uma teoria “globalizante”: o igualitarismo. Suas raízes são muito antigas. Alguns pensam as descobrir no protesto dos profetas da Bíblia contra o “orgulho” dos poderosos. O cristianismo pela primeira vez na Europa afirmou que, além das qualidades e defeitos de cada um, todos os homens são idênticos em sua essência. Mas a igualdade era apenas “diante de Deus”. Demorou mais de um milênio para a ideia ser trazida de volta à terra e para as ideologias propusessem uma versão “secular”.

Com a revolução de 1789, não é só a paisagem social que está mudando. Os objetivos que toda a sociedade tem o dever de corrigir também são alterados. O paraíso, a partir de agora, pode ser instituído na terra. Pelo menos é o que se imagina. O que foi, o futuro, os “amanhãs que cantam” tomam o lugar do Além. Ao mesmo tempo, a igualdade dos homens é afirmada com força, não mais na esfera metafísica, mas na esfera concreta dos assuntos humanos.

A famosa declaração de 1791 proclama que “os homens nascem livres e iguais perante a lei”. Quanto à “liberdade” do nascimento, ainda é uma visão positiva. No que diz respeito à igualdade, a expressão “igual perante a lei” introduz uma certa restrição. É a partir desta restrição que a teoria do Liberalismo clássico será elaborada. Mas no germe, também há outra ideia presente. Aquila de uma igualdade real de condições, igualdade realizada em todos os domínios.

Ideia generosa, própria para seduzir revolucionários e pensadores. Já está presente, no século XVIII, entre os filósofos anglo-saxões e franceses. É expressa sob a forma de uma nova antropologia. Uma antropologia onírica, onde a condição e o imperativo são engenhosamente combinados com o indicativo. Locke afirma que, no nascimento, o espírito de todos os homens é uma “tabula rasa”: as diferenças que são observadas entre eles são apenas fruto do meio. Helvécio, por sua vez, assegura que “o espírito, o gênio e virtude são os produtos da educação”. Jean-Jacques Rousseau escreve no Emílio: “a natureza fez o homem feliz e bom, mas a sociedade o torna miserável”. Jaucourt, na Enciclopédia proclama: “A igualdade natural é fundada na constituição da natureza humana comum a todos os homens, que nascem, crescem, subsistem e morrem da mesma forma … Decorre deste princípio que todos os homens são naturalmente livres”. Desde o início, o credo igualitário se revela digno de um novo totalitarismo. Para os ideólogos do século XVIII (e seus sucessores), os homens são iguais, porque sua natureza é fundamentalmente a mesma. Em todos os lugares e sempre. São as desigualdades que produzem as diferenças, e as diferenças decorrentes da desigualdade. Em uma sociedade onde a igualdade reina, as diferenças desaparecerão.

Portanto, a missão dos defensores da igualdade consistirá em uma “emancipação” de caráter universal, que se revelará profundamente negativa da diversidade humana. Ao proclamar a supressão da escravidão, a Revolução declara que os negros são “homens como os outros”. Expressão ambígua, que contém uma esperança de libertação e um risco de despersonalização. Vai-se o mesmo com os judeus, aos quais os revolucionários propõem uma emancipação baseada na assimilação: serão tudo como cidadão, serão nada como povo.

Nos séculos XIX e XX, as repúblicas continuarão nesse empreitada. Colonização, não nos esqueçamos, deveria fazer conhecer aos “nativos” os benefícios da democracia universal, tida como o único sistema de “progresso”. Devia-se “civilizar” os países do Terceiro Mundo da mesma maneira como antes deviam ser “evangelizados”. Oferecer-lhes um modo de vida, uma estrutura social, um modo de pensar que não era necessariamente o deles. Ao mesmo tempo, sob a liderança do jacobinismo, se “equalizava” fazendo desaparecer linguagens, culturas, tradições locais. Na Bretanha, sob a Terceira República, foi “proibido cuspir no chão e falar bretão”.

É essa forma de igualitarismo universalista que chega hoje ao final do caminho. Se desenvolveu, com feito, sobre uma falha. Não só os monotônicos falanstérios onde sonharam Fourier e Babeuf nunca nasceram, mas em todos os lugares as diferenças ressurgiram. Às vezes nas formas mais inesperadas. A descolonização ocorreu em nome do “direito dos povos à autodeterminação”. O que é isso, se não a reivindicação de cada povo para determinar seu destino de acordo com seus objetivos particulares e suas normas próprias? Nos Estados europeus, o renascimento e a afirmação dos regionalismos foram provocados por um desejo semelhante de enraizar, de particularismo, de recusa a um nivelamento e despersonalização “universais”. “Nós aspiramos à identidade”, escreve o etnologista Robert Ardrey, “como uma planta aspira à luz”.

A vida moderna acentuou ainda mais a erosão das identidades pessoais e coletivas. Nas grandes cidades, o anonimato tornou-se a regra e, com ele, a dificuldade de comunicar, a dificuldade de perceber o que os homens podem ter em comum e o que os distingue dos outros. A aspiração atual à “diferença” nada mais é em nossas sociedades do que um desejo, às vezes confuso, de acabar com uma civilização de massa, cada vez mais unidimensional.

Por sua parte, as ciências, à medida que se desenvolveram, lançaram a baixo a bela antropologia dos filósofos do século XVIII. Não só os homens não nascem como uma “tábula rasa” ou uma cera virgem, mas nenhum homem é igual a outro. Somos todos diferentes mesmo nas fibras mais finas do nosso ser. Até mesmo por sermos desiguais é que existimos como espécie humana. “A diversidade”, explica Robert Ardrey, “é a matéria mesma da evolução, pois é na diversidade de seres que a seleção natural faz sua escolha” (La Loi naturelle, Stock, 1971). Hans J. Eysenck, diretor do Instituto de Psiquiatria da Universidade de Londres, diz: “Não há como fazer homens iguais: este objetivo é absurdo em si porque toda a biologia é baseada na diversidade. Assegura a sobrevivência quando, no curso da evolução, as condições mudam, se todos os seres fossem iguais, não haveria possibilidade de mudança” (L’Inegalité de l’homme, Copernicus, 1977).

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Seja pela evolução geral da opinião ou do movimento do conhecimento, somos confrontados com um fenômeno irresistível. É esse fenômeno que reflete a “moda” do “direito à diferença”. E é também este fenômeno que as ideologias igualitárias e universalistas tentam agora “recuperar” grosseiramente. No verão de 1977, um dos temas do bacharelado foi: “Homens diferentes são desiguais?” Começou a se desenhar uma nova tática, já abundantemente explorada. Se fôssemos acreditar em alguns teóricos e em muitos comentaristas, os homens seriam todos diferentes, mas iguais. A diversidade não teria nada a ver com desigualdade. Os homens seriam todos diferentes, mas, de certo modo, todos igualmente diferentes.

As “revisões”, é bem sabido, são sempre feitas em etapas. Passar sem transição da asserção igualitária ao reconhecimento do fato da desigualdade não poderia deixar de causar reticências e arrependimentos. Aqui e ali, tentamos reconciliar o irreconciliável. Reconhecemos as diferenças, sua natureza irredutível, eternamente rebelde contra todas as apostas de condicionamento em função de um esquema único, mas ainda assim não afirmamos mais que essas diferenças possam ser modificadas, que sejam essencialmente transitórias e que, acima de tudo, seja “impensável” que “justifiquem” hierarquias. Esta é, infelizmente, uma forma (bastante ingênua) de brincar com as palavras. Dizer que os homens são diferentes, mas iguais, é dizer que apesar de suas diferenças, decidimos considerá-los de modo igual. Não se segue, no entanto, que eles são “iguais”.

Aqui devemos deixar o mundo seguro dos puros conceitos platônicos. Uma diferença não é algo abstrato, não relacionado com a realidade. É uma noção vivida. Agora, assim que as diferenças são realmente experimentadas, percebidas como tal, e não apenas imaginadas, elas implicam em perspectivas, em posicionamentos, em hierarquias. Não numa hierarquia única, o que faria uma sociedade uma lista de “egressos” da Escola Politécnica ou da ENA, mas hierarquias múltiplas, complexas, entrelaçadas, que dão às sociedades uma vida orgânica. Nem todas as diferenças são hierárquicas, mas um grande número o é. Os critérios de classificação dos homens são eminentemente variáveis ​​de acordo com os domínios, as funções, os tempos e os lugares. Mas eles existem de fato. “Muitos seres iguais não seriam muitos”, já havia observado Julius Evola, “mas um. Desejar a igualdade de muitos implica numa contradição de termos”.

É verdade que, por trás de algumas observações interessadas sobre a “igualdade na diferença”, se esconde, talvez, uma intenção menos admirável. E um novo perigo totalitário. João Batista Vico, inspirador de Montesquieu, disse: “Os homens desejam primeiro a liberdade dos corpos, depois a das almas, isto é, a liberdade de pensamento e a igualdade com os outros; depois, desejam exceder seus iguais e, finalmente, colocar seus superiores abaixo deles” (Scienza nuova, II, 23).

(Outubro de 1978)

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