Fatos Relevantes Sobre o Antigo Culto Grego aos Heróis – Tradução de Gregory Nagy

[Tradução de resumo do artigo ‘Relevant Facts About Ancient Greek Hero Cult’ de Gregory Nagy. Disponível em: http://www.uh.edu/~cldue/3307/herocults.html ]

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Aquiles de Innocenzo Fraccaroli

A. Aqui está um fato essencial da antiga religião grega: Não apenas os deuses, mas também os heróis eram adorados na Grécia Antiga. A adoração aos heróis era muito semelhante ao culto aos ancestrais.

  1. A. Além do termo “adoração”, podemos usar o termo “culto”, como na expressão “culto ao herói”. Outro conceito relevante: cultivate, como em “cultivar” um campo, jardim, bosque, pomar, vinhedo, etc. E cultura em oposição a “cultura” vs. “Natural”, ou seja “artificial” vs. “Natural”.
  2. A. É um fato histórico que os gregos antigos cultuaram heróis no período abordado nos textos lidos no curso “Heróis”, a começar pela Ilíada e Odisséia de Homero (a tradição oral que culminou nestas obras começou a se cristalizar em torno do século 8 a.C.) e termina em Heroikos de Philostratus (cerca de 200 d. C.)
  3. A. Ainda que não tivéssemos épicos (Ilíada e Odisséia) ou dramas (tragédias de Ésquilo, Sófocles e Eurípides) reminiscentes da Grécia Antiga,  ainda estaríamos bem informados da existência histórica do culto ao herói, com base em evidências não poéticas (referências prosaicas, inscrições,  vestígios arqueológicos  de sítios de culto e etc) concernente ao período histórico entre os séculos 8 a.C. e 3 d.C. e além.
  4. A. O livro The Best of Acheans de 1979 (nova ed. 1999) foi a primeira obra na academia sobre estudos clássicos a argumentar, como tese central, que a evidência não poética do culto ao herói pode ser sistematicamente conectado com a poesia existente e com aquilo que aquela poesia diz – direta e indiretamente – sobre esta prática religiosa. O livro pretendia demonstrar que a evidência não poética aumenta a apreciação da poesia, especialmente as tradições poéticas de Homero (e a dramática de Ésquilo, Sófocles e Eurípides). Outra tese central do livro é a de que a poesia épica fornece evidência da prática ao culto do heróis.

B. Para uma definição de religião grega, eu  sugiro simplesmente:  a interação entre ritual e mito:

  1. B. Ritual. Em sociedades de menor-escala, o que se faz em solo sagrado é atividade demarcada, todo tipo de atividade demarcada, mais claramente a adoração (culto) e sacrifício, mas também incluso: caça, atletismo, relações sexuais reguladas, e até mesmo guerra.  1.B.a. Especialmente difícil para nós de entender: o sacrifício (imolar animais, assá-los ao fogo e repartir em comunidade) e guerra. Sacrifício é uma admissão ritualística da culpa humana pela capacidade de matar outros humanos, assim como na guerra. Esta formulação foi desenvolvida por Walter Burket em um livro sobre o fundamento antropológico do sacrifício: Homo Necans (em oposição a Homo Sapiens).       1.B.b Definição funcional de espaço sagrado: tudo aquilo o que é selecionado pela sociedade como meio de comunicação com o além do nosso mundo. Isto é, espaço demarcado vs. espaço não demarcado. “Sagrado” é o melhor termo para explicar “demarcado” nas sociedades de menor escala. Eu tento me distanciar de termos como “divino” e “sobrenatural”.
  2. B. Mito. Em sociedades de menor escala, o que se diz em solo sagrado é discurso demarcado, adoração (culto) e oração, naturalmente, mas também aí se inclui: juramento, aposta, promessas; estes são típicos atos discursivos. Na Grécia Antiga existiam ainda outras formas de ato discursivo que nós corriqueiramente não veríamos desta maneira: lamentos, insultos, elogios, instruções; em outras palavras, tudo aquilo o que é formal, que está registrado, demarcado; discursos demarcados são automaticamente testemunhados pelos deuses ou o que quer que esteja além deste mundo, no mundo sagrado. Mitos explicam como as coisas são. Em algumas culturas líricas, têm valor expressivo máximo. 2.B.a. Uma ilustração do poder do ato discursivo: “A frase é um ser vivo sagrado. Veja, estas canções, quando foram dadas ao povo da Terra, deviam ser usadas de uma certa maneira. Se você abandona estas palavras, o povo sagrado se sente desprezado. Eles sabem que você está cantando, eles têm consciência disso. Mas se você omite estas palavras, eles sentem e desagradam-se. Então, ainda que você esteja cantando, o que quer que você faça, não surte efeito…” de uma entrevista com um shaman Navajo.
  3. B. Um dos fatos mais fundamentais sobre a religião grega é que ela tende a ser local e localizada. Para o mito ser deslocalizado, como na Ilíada (assim como na maioria dos poemas arcaicos e clássicos), ele deve separar-se do ritual.
  4. B. Tudo o que foi lido até o momento sobre mito e ritual  envolve heróis assim como deuses na antiga religião grega.

C. 15 fatos básicos sobre o culto aos heróis

  • 1. O culto aos heróis era fundamentalmente localizado, confinado a um local. Houve literalmente milhares de cultos a heróis espalhados pelo mundo falante da língua grega. Cada local tinha seus próprios heróis. (Nas demes, ou, distritos locais que constituem o centro urbano e complexo rural de Atenas, cada deme tem uma variedade de heróis locais.) Alguns destes heróis são bem conhecidos de nós  através dos épicos (todo herói, maior ou menor, mencionado na Ilíada e Odisséia foi, potencialmente, um herói local), e na tragédia, enquanto outros não são desconhecidos de nós.  O herói local do culto ao herói podia ser homem ou mulher, adulto ou criança.
  • 2. Comumente o culto aos heróis era fundamentado na presença de sôma (corpo) do herói na “terra mãe” de determinada localidade. (Ocasionalmente a presença era devida a apenas uma parte do corpo – como a cabeça). Independente do que pensemos cientificamente sobre a origem de dado corpo, os habitantes entendiam aquele corpo ou parte dele como pertencente a um certo herói. A prática de venerar corpos ou partes destes (ou, metonicamente, objetos associados a este) continuou para além da Grécia Antiga; um aspecto desta continuidade é a prática cristã de venerar relíquias de santos. [Convém lembrar que esta prática já tinha paralelos entre outros povos i.e. antes da cristianização. Tanto entre Celtas continentais quanto insulares havia a prática de cultuar cabeças, sejam elas crânios ou esculturas posteriores, bem como o costume de roubar a cabeça dos inimigos tombados tanto como troféu quanto maneira de impedir sua alma de continuar no seio da tribo. O Mabinogion relata que na tradição galesa, o rei Bran teve sua cabeça sepultada no litoral, voltada para o continente, a fim de proteger a ilha contra invasores.]
  • 3. O Sôma de um herói era considerado um talismã de fertilidade e prosperidade para a comunidade que o venerava. A fertilidade estava no crescimento das plantas (especialmente na colheita, pomares, jardins e vinhedos),  na vida animal (tanto domesticáveis quanto de caça), e humana (literalmente a reprodução sexuada e aleitamento das crianças).
  • 4. O marco do sôma era a sêma, que normalmente tinha o aspecto de um túmulo.
  • 5. O marco do sôma podia ser um sinal, símbolo  ou gravura; o termo para tal marcação era também sêma.
  • 6. O marco era um segredo sagrado em alguns casos, os detalhes locais do rito e do mito acerca do herói local eram tidos como sagrados, portanto em certa medida eram segredos também. Ou, ao menos, alguns dos detalhes sagrados eram tidos pelos locais como elementos que não deviam ser revelados a forasteiros ou não iniciados. A palavra para estes é muô – dentro do segredo – palavra da qual advém mustêria, “mistério”. Em latim a palavra para não iniciados é profanus (de pé em frente a / não dentro do espaço sagrado).
  • 7. Quando os locais sacrificavam a um herói eles matavam um animal sacrificial e então dividiam sua carne entre os participantes do sacrifício, mantendo um corte escolhido da carne, chamado geras, como oferenda ao herói. Dar ao herói a sua geras era conferir-lhe a honra que lhe é merecida, timê.
  • 8. Outro aspecto do sacrifício ao herói era a oferta de líquidos, ou seja, libações; além de líquidos como água, vinho, azeite, leite, mel e daí por diante, o próprio sangue da vítima sacrificial contava como libação. Exemplo disto é o derramamento de sangue na terra para fazer contato com o corpo do herói (às vezes um tubo se ligava à boca do corpo), acreditava-se que isto ativava a consciência do herói, para que este pudesse aconselhar  (dar diagnôsis) sobre questões envolvendo fertilidade e prosperidade. Ao herói era por vezes dado o nome eufemístico de “curador” (Iastros, Iasôn = Jasão, etc.)
  • 9. Quando os celebrantes sacrificavam a um herói, a perspectiva era direcionada para a terra (khtôn), quando sacrificavam a um deus, a perspectiva era direcionada ao céu (ouranos), excepcionalmente a uma categoria de deuses chamados “ctônicos” (khtonioi), que igualmente requer a perspectiva para baixo. Note que em Heroikos de Filostrato: a princípio, vemos como o fenício tem seu olhar fixado no céu, enquanto o guardião do vinhedo tem seu olhar fixado no solo sob seus pés.
  • 10. Quando alguém sacrifica a um herói ou um deus, o termo genérico é thuô. Quando se sacrifica a um  herói, o termo específico é en-agizô. Quando se sacrifica a um deus, não há um termo específico, a menos que a divindade seja ctônica (neste caso en-agizô é o termo apropriado). O termo en-agizô significa literalmente “eu tomo parte na poluição”. Na poesia thuô “sacrifício” é equivalente a dar timê “honra” a um determinado herói ou deus.
  • 11. O animal mais comumente morto, cozido e comido no culto a um herói masculino era o carneiro.
  • 12. Em todo sacrifício a um herói, o processo era usualmente visto como se passando abaixo do nível da terra. O sacrifício é dirigido a uma depressão na terra como uma cova ou bothros. Em qualquer sacrifício a um deus (com exceção novamente dos ctônicos) o sacrifício era visto como ocorrendo acima do nível da terra (o sacrifício é direcionado para uma elevação, como em um altar ou bômos). Um exemplo clássico é o ritual envolvendo o sacrifício de um carneiro preto na cova de Pélops durante a noite que antecedia os jogos Olímpicos e o fervimento da carne de carneiro no Altar de Zeus no dia seguinte.
  • 13. O espaço sagrado demarcado para o herói em seu culto pode coexistir com o espaço sagrado assinalado ao deus que era considerado seu antagonista. Um exemplo clássico é o do herói Pirro no precinto sagrado a Apollo em Delfos.
  • 14. O herói era considerado morto no local aonde seu corpo foi situado; ao mesmo tempo o herói era considerado imortalizado no local para onde vão todos os heróis após a morte, tal local paradisíaco era considerado escatológico, em contraste ao Hades, que era considerado transicional. O nome e até mesmo a imagem deste outro-mundo variava do culto de um herói para outro. Alguns destes nomes são Elísios, Ilha dos Abençoados, Ilha Branca, e daí por diante. Muitos destes nomes são aplicados também ao local do culto ao herói.
  • 15. Acreditava-se que os heróis pudessem voltar à vida (anabiônai), não apenas escatologicamente, em seu reduto eterno e paradisíaco, mas também esporadicamente no tempo presente dos seus cultuadores. Tais aparições esporádicas eram consideradas epiphanies. No momento da celebração, o precinto sagrado do culto ao herói poderia tornar-se idêntico ao paradisíaco mundo de imortalidade do qual ele ou ela retornam para seus cultuadores. Metonimicamente o precinto sagrado do culto ao herói precisava ser um local de cultivo, como uma plantação, vinhedo, jardim ou pomar.

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