Tradução: Alain de Benoist – Os Direitos dos Animais

[Tradução do artigo ‘Les droits des animaux’ de Alain de Benoist, primeiramente publicado na revista Livre Arbitre em 19 de Setembro de 2020, e disponível on line em: https://institut-iliade.com/les-droits-des-animaux/?fbclid=IwAR3kfVvPomomf01IbwiekxNPwWP1Vc1fzQtXdp-AYWpFVJCG0d8A3IOgrYg%5D

Ao longo das últimas décadas a preocupação com a causa dos animais não cessou de crescer. Da “Ferme de Mille Vache”*, e das gaiolas em bateria, a outras abominações da produção a nível industrial, teria-se toda a razão em saudar esta temática se ela não tivesse cada vez mais a tendência de cair nas mãos de ideólogos iluminados que, longe de servir à causa que defendem, propõe desta uma caricatura tão desoladora quanto contestável. Entre estas loucuras, temos agora que contar com a teria dos “Direitos dos Animais”.

Quando se apoia em silogismos equivocados do gênero: O homem tem direitos, o homem é um animal, logo, os animais têm direitos, tal teoria deriva frequentemente de uma ideologia à qual dá-se o nome de “Antiespecismo”.

O termo “Especismo” inventado pelo britânico Richard Ryder e popularizado pelo australiano Peter Singer, designa toda teoria que implica em fazer uma distinção moral entre os homens e os animais. O Antiespecismo, ao contrário, consiste em igualar todas as espécies, na afirmação de que “os animais são tão humanos quanto os demais”. Tom Regan, professor na Universidade Estadual da Carolina do Norte, afirma assim que os animais são “titulares de direitos, ainda que não o saibam” e que “apenas a linguagem do direito está apta a exprimir a exigência de não lhes infligir danos sem motivação vinculativa”. Em 1978, uma Declaração Universal dos Direitos dos Animais, sem valor jurídico, veio até a ser adotada pela Unesco. Seu artigo 1º proclamava divertidamente que “todos os animais nascem iguais perante a vida”.

Sobre a questão dos direitos, o livro mais explícito é aquele de Sue Donaldson e Will Kymlicka, Zoopolis. É também o que vai mais longe, já que os autores, após posicionarem-se a favor da atribuição de “direitos invioláveis e universais” a todos os sujeitos sensíveis, considerados “agentes morais no sentido kantiano do termo” chegam mesmo a preconizar a integração dos animais à sociedade dos humanos com título de cidadãos. Os dois autores distinguem os animais selvagens, animais domésticos e “animais liminares”, sendo estes últimos aqueles que vivem na sociedade humana sem, contudo, serem domesticados. Aos primeiros deveria-se reconhecer uma “soberania”, e aos segundos, uma cidadania, em troca da qual eles aprenderiam a se comportar de maneira socialmente aceitável, como por exemplo, não mordendo a todos nas ruas.

O grande argumento, de ordem emocional, é o de que animais não são autômatos, como pretendia Descartes e Malebranche, uma vez que podem sofrer. Como acredita-se ser imoral causar sofrimento a animais, deduz-se então que eles tenham direitos. Mas esta conclusão é arbitrária. Em que o fato de poder sentir prazer ou dor poderia por si só conferir um status moral, e, sobretudo direitos? É sim uma ideia perigosa, pois a empatia que podem sentir os homens em relação aos animais é eminentemente variável de acordo com cada indivíduo e cada povo. Se não somos sensíveis ao sofrimento de um animal, podemos dizer que isto se torna admissível perante nossos olhos? Trata-se, como se pode ver, de plena subjetividade. Contudo, não há ética se esta não se fundamenta em princípios objetivos.

O que responder a tal teoria? Para começar, que os direitos subjetivos simplesmente não existem, contrariamente àquilo que afirma a teoria do Direito Natural Moderno, da qual deriva a teoria dos Direitos do Homem. Existem apenas os direitos objetivos, externos aos indivíduos como às pessoas. Homem algum possui direitos em virtude apenas de sua natureza ou de sua existência, anteriormente a qualquer relação social. E este não difere dos animais. A crença no contrário é um ato de fé, mesmo de metafísica.

Mas há ainda outros argumentos.

Os animais não possuem direitos, porque eles não são sujeitos de direitos. Eles não são capazes de fazer valer seus direitos. Não se pode impor-lhes qualquer obrigação em contrapartida aos direitos. John Rawls admitia ele próprio que os animais não podem ser titulares de direitos pela simples razão de que eles não podem ser parte signatária de contrato. Eles não podem então ser mais do que objeto de direitos.

Os animais são igualmente incapazes de ter direitos pois esta noção não tem significado algum para eles. E que eles não saberiam de forma alguma relacioná-los aos animais das demais espécies. O direito de não ser tratado como um meio para os fins de outrem ignora a predação. Faz-se quase desnecessário lembrar que estes mesmos animais aos quais se propõe a conceder direitos são os primeiros a não lhos respeitar ao se comportarem como predadores das espécies das quais se alimentam, já que esta falta de respeito é a razão mesmo de sua sobrevivência. O único direito que o leão reconhece no antílope é o de se deixar devorar! Como reconhecer aos animais direitos que eles não estão dispostos a reconhecer eles mesmos nos membros de outras espécies?

É certamente necessário questionar o Antropocentrismo que no passado se mostrou devastador. Mas pode-se desfazer de todo do Antropocentrismo (que não precisa ser confundido com antropomorfismo)? Pois afinal são os homens, e apenas os homens, capazes de se declarar Antiespecistas.

É o que muito bem assinalou Francis Wolff: “A atitude que tenta radicalmente denunciar o Antropocentrismo é radicalmente antropocêntrica. Pois nenhuma espécie natural respeita “naturalmente” as outras espécies naturais” […] A fortiori, nenhuma espécie natural considera, nem pode considerar, todos os demais com igualdade, e ainda menos igual que a sua. Espécie nenhuma pode ser Antiespecista, se não a espécie humana.” É igualmente aquilo que constata Alain Finkielkraut: “A responsabilidade pelas outras espécies é uma prerrogativa especificamente humana: jamais o leão cuidará da gazela, é ao homem e apenas ao homem que cabe zelar por um e por outro”. Deduzindo assim que “é precisamente em razão daquilo que distingue os homens das outras espécies que se pode exigir que este se preocupe com a sorte daqueles”. Como escreve igualmente Étienne Bimbenet, “uma coisa é militar contra a exploração, e o destino escandaloso dado aos animais; outra coisa é crer que a melhora em seu destino implica abolir a fronteira entre nós e eles”. “Controlar a humanidade dentro de si mesmo, os ajuda, longe de nos trancar numa celebração narcisista de nós mesmos é, sem dúvida, a melhor maneira de ir de encontro aos animais”. Ir de encontro ao outro implica reconhecer sua diferença, e não negar sua alteridade.

Aí se encontra a contradição fundamental do discurso segundo o qual os animais são pessoas, pois a única pessoa capaz de se interessar com a sorte das outras espécies, ao ponto de querer lhes proteger ou impedi-los de desaparecer, é o homem. Significa que é justo pelo discurso de acordo com o qual não há diferença radical entre o homem e os animais, discurso que somente os homens podem ter, que os Antiespecistas provam, mesmo sem se aperceber, a falsidade de sua tese.

Felizmente há outras maneiras de não considerar os animais como objetos que não a de lhes atribuir direitos. Os deveres não são necessariamente a contrapartida de um direito, e é totalmente arbitrário dizer que o sofrimento constitui o ponto de partida de todo posicionamento ético. Os animais não têm direitos mas, como já dissera Rousseau (em seu prefácio ao Discruso sobre a origem e os fundamentos das desigualdades), nós temos deveres para com eles. A natureza da ética que deve presidir sobre as relações entre homens e animais não se toma de direitos que possuam os animais em relação a nós, mas aos deveres que nós temos para com eles. Nós temos também deveres para com a natureza, para com as pedras e rochas, os rios e florestas, os monumentos e as paisagens. Nós temos deveres para com eles porque possuem um valor intrínseco ainda que não possam nos obrigar eles mesmos a respeitá-los. Nós temos deveres para com aquilo que vive e, para além disso, com aquilo que é, não porque somos iguais a tudo o que é, mas porque estamos todos numa relação de co-pertencimento que remete diretamente à ideia de Kosmos. Uma ideia que era familiar aos Antigos e que está mais do que na hora de renovar!

Alain de Benoist

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