Deusas Fluviais – Sequana e Sirona

Trataremos hoje de deusas fluviais gaulesas, em especial de duas deusas tópicas da Gália, Sequana e Sirona. As demais deusas fluviais ou ligadas a fontes de água cujo culto teve amplitude maior, até a Peninsula Ibérica e/ou Britânia, serão tratadas mais adiante. De fato, tantas são as deusas gaulesas ligadas a rios e fontes que, se quisesse tratar de todas elas num corpo de texto, melhor seria fazê-lo em um artigo ou mesmo em livro. Então, da forma mais sucinta possível, tratemos de Sequana e Sirona:

Sequana, a personificação do Rio Sena em sua fonte (Vale do Dijon, atual França), é melhor conhecida pelos achados arqueológicos datados dos primeiros séculos da era cristã, quando, após a romanização da Gália, passou-se a erigir templos, altares e imagens aos deuses celtas. Em sua honra e, para atender aos peregrinos, foi construído um complexo próximo à sua fonte, que contava com dois templos, pórticos e um dormitório onde podiam dormir os peregrinos em busca de sonhos inspiradores e sanativos.

Com efeito, a cura parece ter sido o objeto de busca da maior parte de seus frequentadores. Uma abundância de figuras votivas, muitas possivelmente fabricadas e vendidas no próprio complexo sagrado, simbolizam partes do corpo que se desejava curar, ou a própria deusa. Entre estas as imagens de seios e rostos de olhos fechados são as mais presentes, denotando o poder especial da deusa de sanar problemas ligados à lactação, tais como mastites ou dificuldades de aleitamento – o que nos lembra a tradição gaélica em torno de Brígid, vinculada a vacas, ovelhas, aleitamento de novilhos e que, após ser adotada pelo Cristianismo como Santa Brígida, passou a ser a ajudante de Maria durante o puerpério.

Quanto aos rostos de olhos fechados, acredita-se que estejam buscando a cura para doenças vinculadas aos olhos, uma vez que os olhos d’água são vinculados à cura de olhos nos casos de outras deusas. Mas suspeito também que fossem pedidos por sonhos divinatórios, inspiração, uma busca por sabedoria, também vinculado às deusas fluviais, como já expliquei nas postagens sobre deusas fluviais gaélicas.

Entre as oferendas à deusa Sequana, estão jóias, moedas e animais. Há evidências de sacrifícios de animais tanto domesticados quanto selvagens. E imagens de meninos ofertando filhotes de cães e pássaros apontam para uma possível vinculação da deusa com estes dois animais. Mais uma vez levantando uma referência a uma deusa gaélica, Boann que, como citei, ao tornar-se o Rio Boyne, afogou-se com seu cão, Dabilla, que se tornou um fairy mound.

Já a ligação da deusa com pássaros é melhor atestada na famosa imagem na qual a deusa aparece de braços abertos para receber os peregrinos, usando uma coroa que demonstra seu alto status e condição de Deusa da Soberania, de pé sobre uma barca cuja proa é a cabeça da um Pato, barco este que provavelmente é o meio pelo qual a deusa faz a passagem entre os mundos em seu Rio e fonte. [Esta imagética será fundamental quando tratar da deusa Navia.]

Já a deusa Sirona difere das demais deusas até agora citadas por ser vinculada antes a fontes de água e não propriamente aos cursos destes, os rios, e por quase sempre ser representada ao lado de um deus, Grannus, Apollo ou Belenus. Seu culto foi de impressionante amplitude durante o período gallo-romano, indo desde a Bretanha francesa até a Hungria, com abundância maior de evidências na Alemanha. Contudo as imagens não deixam claro se a união entre Sirona e este deus é conjugal ou se seriam irmãos, a exemplo de Apollo e Ártemis.

A associação entre Grannus e Apollo parece estar na sua vinculação ao sol e à lira, demonstrando os atributos deste deus como bardo e curandeiro. Vale desde já assinalar que Grannus era cultuado na Gália em torno do Equinócio de Primavera. Quanto a Sirona, cujo nome significa Estrela, a semelhança com Ártemis, a lua, está no fato de serem ambas deusas vinculada à noite e, especialmente, aos astros iluminando a escuridão, assim como um olho d’água brotando da terra, e como a primavera irrompendo do inverno.

Outra associação da deusa Sirona à Primavera está na imagem da deusa junto a Grannus em Hochscheid (atual Alemanha), aonde ela aparece com uma serpente enrolada em um dos braços -simbolizando fertilidade e cura – e uma cesta de ovos no outro. É interessante lembrar que não apenas no mundo céltico as serpentes e ovos estão ligados à Primavera, mas entre germânicos também. A deusa Eostre, igualmente chamada Estrela, é cultuada na primavera e seu culto deu origem à versão germânica da Páscoa, Ostara, Easter no inglês moderno, época do ano na qual os ovos figuram como promessa de retorno à vida. Ainda hoje na Alemanha existe o costume de decorar árvores com ovos coloridos. A estas árvores é dado o nome de Osterbaum, e a maior delas é feita en todas as Páscoas em Pomerode, no Sul do Brasil.

Outra menção à Primavera que me vem à mente quando penso em casal de irmãos divinos no mundo céltico, é a tradição escocesa em torno de Brígid e Angus. No conto The Coming of Angus and Bride, diz-se que este casal de filhos do Deus Dagda (também ligado ao tempo e à passagem das estações), unem-se em matrimônio na Primavera, quando Angus vem libertar Brígid de seu cárcere junto a Cailleach, deusa invernal. É nesta época do ano que os pássaros retornam de sua migração, e cisnes e pássaros são novamente vistos nos céus e lagos.

Por fim, e de volta à Gália, a deusa Damona é também representada com serpentes e grãos, e também faz par com o Deus Apollo. O nome desta deusa está vinculado ao gado, aludindo à prosperidade e ao aleitamento. Este casal é mais conhecido por seu altar em uma fonte no que se supõe que sejam as ruínas de Alesia, na França.

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